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(quinta versão)
não me saem da cabeça
dois versinhos de uma letra
que fizeste para fado:
' levo aos ombros as esquinas
trago varandas no peito'
— mas que versos bem esgalhados!
por serem dois belos versos
trazidos pela mestria
que te é própria, ó Ary,
não me saem da cabeça
desde esse primeiro dia
quando, cantados, os ouvi.
e nem só estes! lembro, antes,
muito verso apaixonado
à tua amante Lisboa;
mais tantas fotos cantantes
do povo bem retratado
pela tua voz que, ainda, ecoa.
Zé Carlos, tu, não podias
lá por seres, também, 'dos Santos'
enganar teu portugal:
tu, casado com a Poesia
assumias em todos os cantos
ser amante da capital.
meu querido Poeta amigo
caído no crime antigo,
fosse esse, só, o teu pecado!
mas, à amante e à amada,
somaste outro carinho?/capricho? e
foste mal interpretado.
para falar com clareza,
tua vida foi uma aventura
de amorosa trilogia:
à Lisboa e à Poesia
juntaste — e ainda dura —
amor à Alma portuguesa.
nem sei que mais te confesse
e nem porque aqui cheguei
entre ideias encadeadas.
verdade é que me parece
dos versos, por onde entrei,
serem ideias roubadas.
isso mesmo! digo e redigo
dos ombros com as esquinas
e das varandas no peito.
das esquinas?! faço eu leito!
e as varandas floridas?!
ó Ary, trago-as comigo!
que seja menina e moça
a branca cidade branca
é mister que não contesto.
que os azulejos de louça
sejam banda desenhada
é lição que jamais esqueço.
posso mesmo admitir
que a feira da ladra nova
seja o reduto dos cravos
floridos no mês de Abril
promessas, de cujo travo
bem avisaste a demora.
como até ainda me encanta
o amarelo da carris
e o tal barco de brincar.
aliás, já nem me espanta
haver náufragos viris e
varinas a navegar.
agora, quanto às varandas
vistosas mas, recatadas:
é onde guardo o que sigo
e abrigo de outras demandas,
pela calma abrigadas,
e onde acalmo o que persigo.
varandas trago, te digo,
janelas, arcos, sacadas
por assomar ou viver.
trago janelas comigo
por abrir, entrelaçadas
nos gestos de assim me ser
janelas frescas varandas
enlaçadas à loucura
moldam-me os gestos que lavro
varandas, sacadas francas
temperadas aberturas,
pátios simples átrios, adros
trago janelas esmeradas
dos desabrigos guardadas
e protegidas, enfim:
trago varandas rasgadas
destemidas, destinadas
ao amor dele que vive em mim.
assim, dói-me o coração
pois, Ary, o tal versinho
que consta desse teu fado
assim, dói-me o coração
pois, Ary, o tal versinho
no teu tão grande poemário
( 'levo aos ombros as esquinas
trago varandas no peito' )
é o meu verso apaixonado
( 'levo aos ombros as esquinas
trago varandas no peito' )
— não me calo: foi-me roubado!
— não me calo: foi-me roubado!
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Música: José Marques (Piscaralete — 'Fado 'Triplicado' )
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