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quinta-feira, dezembro 15, 2005

a "madre" da casa da avó... por Graça Capinha

A Apresentação do livro pela Prof.ª Doutora Graça Capinha,
pode consultar-se (páginas 149-152:  aqui )
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.
a madre da casa da avó
.
                                                                       

havia um rasto de oliveiras

no manto estonteante

campo aberto

jorrado torrado a eito

forro de cortiça e azeitonas

padrão de oiros

campo pão

esbugalhado nos olhos

de bestas, mulas morenas

lentas.

cheiro a chão.

campo maior

do pão.

.

partiam-nos talhadas de sabor

ternuras doces verdes e vermelhas

que secavam no papel pelo ano

.

à madre da casa da avó

agarram-se as coisas da memória:

dizer-te desse cheiro que havia

um rasto de oliveiras

e restolho

manto

estonteante manto

campo jorrado, torrado a eito

forro de cortiças e papoilas

pão esbugalhado nos punhos

de bestas

mulos à jorna

cheiro a fome do pão.

e a madre

castanha

suspira

eterna

impotente

pelos choros que não mais

- febres de incansável

pouca idade

birras de sestas enganadas

a inventar monstros

príncipes

rostos

formas aflitas nas gretas da parede

branco eterno, antigo

resguardado do abismo

pela madre,

castanho muito,

madeira da memória dessa casa

à mesa

partiam-nos talhadas

barcas guardadoras da magia

da família

ternuras doces

vermelhas, verdes

sementes secas

na varanda ou no sobrado

que apuravam no papel

ano adentro

até à hora de provar

a melancia

brinde da escola certinha

(lindas meninas!)

merecida

- Estado Novo

meninas lindas -

.

na madre da casa da avó

vejo:

o penteador pelos ombros

a mão certa

no enrolar do rolo

o invisível gancho habilidoso

outro e outro e outro

e a travessa

castanha

soberana

estavas no quintal

sentada

banquinho baixo

as brancas, soltas, roçavam

as pontas do avental

e, à volta, um rodopio

de palavras

que amestrava o nosso

aprender a casa

lida

dia a dia

milagres, sabores

tachos ao lume

milagres de milagres

embebedados

embebedando, o vinagre

e o alho, de carnes

de esturgido com coentros

ou sopas.

ovo escalfado.

mãos

descascar favas

ervilhinhas

estalinhos linhos linhos

rebuliço, no alguidar,

das bolinhas

lavar

lavar, ar

.

milagres, sabores

pão esbugalhando olhos

na madre da casa

da avó

memórias

talhadas

de campo aberto

talhadas, infância, acontecidas.

.

maria toscano

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. a madre da casa da avó / os nomes infinitos do ser, Pé de Página Editores, 2002

Apresentação no Café Santa-Cruz - Coimbra, 2002.

Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
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faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
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chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
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nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
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como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
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ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
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