havia um rasto de oliveiras
no manto estonteante
campo aberto
jorrado torrado a eito
forro de cortiça e azeitonas
padrão de oiros
campo pão
esbugalhado nos olhos
de bestas, mulas morenas
lentas.
cheiro a chão.
campo maior
do pão.
.
partiam-nos talhadas de sabor
ternuras doces verdes e vermelhas
que secavam no papel pelo ano
.
à madre da casa da avó
agarram-se as coisas da memória:
dizer-te desse cheiro que havia
um rasto de oliveiras
e restolho
manto
estonteante manto
campo jorrado, torrado a eito
forro de cortiças e papoilas
pão esbugalhado nos punhos
de bestas
mulos à jorna
cheiro a fome do pão.
e a madre
castanha
suspira
eterna
impotente
pelos choros que não mais
- febres de incansável
pouca idade
birras de sestas enganadas
a inventar monstros
príncipes
rostos
formas aflitas nas gretas da parede
branco eterno, antigo
resguardado do abismo
pela madre,
castanho muito,
madeira da memória dessa casa
à mesa
partiam-nos talhadas
barcas guardadoras da magia
da família
ternuras doces
vermelhas, verdes
sementes secas
na varanda ou no sobrado
que apuravam no papel
ano adentro
até à hora de provar
a melancia
brinde da escola certinha
(lindas meninas!)
merecida
- Estado Novo
meninas lindas -
.
na madre da casa da avó
vejo:
o penteador pelos ombros
a mão certa
no enrolar do rolo
o invisível gancho habilidoso
outro e outro e outro
e a travessa
castanha
soberana
estavas no quintal
sentada
banquinho baixo
as brancas, soltas, roçavam
as pontas do avental
e, à volta, um rodopio
de palavras
que amestrava o nosso
aprender a casa
lida
dia a dia
milagres, sabores
tachos ao lume
milagres de milagres
embebedados
embebedando, o vinagre
e o alho, de carnes
de esturgido com coentros
ou sopas.
ovo escalfado.
mãos
descascar favas
ervilhinhas
estalinhos linhos linhos
rebuliço, no alguidar,
das bolinhas
lavar
lavar, ar
.
milagres, sabores
pão esbugalhando olhos
na madre da casa
da avó
memórias
talhadas
de campo aberto
talhadas, infância, acontecidas.
.
maria toscano
.
. a madre da casa da avó / os nomes infinitos do ser, Pé de Página Editores, 2002
Apresentação no Café Santa-Cruz - Coimbra, 2002.
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