Depoimento do Prof. Doutor José Carlos Seabra Pereira (por se encontrar ausente no estrangeiro)
."Por entre dissonâncias vocabulares e imagens desconcertantes, por entre achados de deslocação perceptiva (como no leitmotiv « sento a alma à janela » , ou quando « um relógio de madeira encera o Tempo » ), na busca - ainda nem sempre bem sucedida - de soluções de síntese expressiva, de sugestões aliterantes, parenemásicas e metagráficas, leva-nos Maria Toscano da utopia da Coragem à coragem da Utopia.
.Assim nos convoca para a recusa de « adiar a pessoa em cada pulsar / do centro inscrito, mural do amor » .
.Assim nos empolga no compromisso de não abdicarmos da força para perseguir uma ideia que é, por enquanto, maior do que nós, mas que já começámos a merecer porque apaixonadamente a concebemos, a amamos e a fazemos irradiar na Cidade - pela « Coragem do Falar, / Vontade da Revolução / Profunda , Intensa e Premente ! » .
.A utopia da coragem não é, na poesia de Maria Toscano, nem quimera compensatória, nem fantasia evasiva, disfarçadas de intervenção subserviva.
.É, antes, a exigência de integridade vertical em tempos pardos de almas amolecidas - para que possa reinstaurar-se a coragem da Utopia.
.Não falta, é certo, a hora do « Recosto-me na esplanada da vida » .
.Mas, mesmo então, é de inconformismo que se trata - frontal inacomodação à « horinha funcionária da vidinha » .
.Perante as novas alienações que cativam a nossa época de normalização consumível, este grito revel da poesia de Maria Toscano não se fecha decerto àquele « halo de companhia » que envolve quem chega « pela calçada... ».
.Ao contrário, deixa-se habitar por ele, « na luz pouca » , « espreitante » , ao rumor de « oculta voz de sapiências » .
. Nem se faz tão engagé na circunstância que descure a interiorização da « Fala do Manuscrito» - aquela inalienável vivência que « nos seios, nos côncavos de nós / nos mais íntimos e líquidos abrigos / deposita [ ... ] a Fala do não dito » .
.« insatisfeita e feliz / habitada do ainda não » , esta poesia não desterra a vontade de doação, a vocação amorosa.
. Mas determina que « o manuscrito da ENTREGA » seja endereçado « alto Muito » ...
.Por isso, « insatisfeita me vivo ...», diz a poetisa.
.Por isso, « a funcionária sorriu-se da urgência / outros pestanejam cumplicidades. ».
.Que importa ? ! - « insatisfeita e feliz / habitada por estrelas » , continua a vir até nós a poesia fecunda de Maria Toscano. "
José Carlos Seabra Pereira, 20 Fev./ 2000
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