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segunda-feira, dezembro 05, 2005

Amadeu Carvalho Homem apresentou a autora

DUAS OU TRÊS PALAVRAS QUE NÃO SÃO DE CIRCUNSTÂNCIA

por

Amadeu Carvalho Homem

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. Para além das coisas de Maria Toscano

. Começo por informar quem me ouve do meu propósito deliberado de ser parcial, parcialíssimo nas palavras que irão ouvir. Eu posso ser imparcial perante pessoas ou coisas que me sejam estranhas ou indiferentes. Nunca perante uma cidadã – a Maria-Toscano-poeta, para mim a Maria-de-Fátima-Toscano-Amiga que me facultou um texto autobiográfico onde se lê: "pelos bares da vida foi cantando com músicos amigos". E o seu canto, de esperança e insubmissão, de denúncia e confraternidade, de espera e encontro, foi-se renovando em muitos bares da vida, desde esse momento encantatório em que, menina ainda, encostados os seus quinze anos ao balcão de um Portugal revolucionado, poetou galhardamente para ganhar um primeiro prémio de poesia estudantil. O título desse poema talvez seja programático, ao invocar uma certa maneira de viver e ao vaticinar "que a verdade há-de, um dia, / ser a porta da alegria".

. Se existe para esta alentejana de Campo Maior "uma certa maneira de viver", significa isto que o modo de vida ronceiro, trivial, colado ao chão, previsível e habitualmente repetitivo, este modo de vida produz na Maria de Fátima um tédio irreprimível. Não se trata de um qualquer fenómeno de spleen finissecular; trata-se, isso sim, de um justíssimo sentimento de esbulho e de decepção relativamente a uma sociedade portuguesa que prometeu mundos e fundos e realizou quase nada.

. Foi esta incomodidade que pude um dia surpreender; tendo-a interrogado sobre as coisas banais da vida – a saúde, as aulas, os projectos imediatos, a investigação, etc. – recebi dela esta lapidar confissão: "Vai tudo correndo menos mal. Mas, sabe Professor, o que eu quero mesmo é cantar". E no entanto, a Maria de Fátima Toscano nunca deixou de ser uma distintíssima cultora das ciências sociais, com um mestrado defendido brilhantemente na Universidade Nova de Lisboa e com um doutoramento presentemente em curso no ISCTE.

. Suspeito, porém, que esta minha Amiga discrimina entre o domínio das coisas necessárias ao ganho da vida e o domínio das essências necessárias ao ganho da alma. Suspeito que este último domínio se lhe desvelou e ofereceu nos momentos em que interpretou Piaf ou Mahler em peças de teatro universitário e em cafés-concerto. Atrevo-me a pensar que – mais do que o discurso objectivo dos cientistas sociais que domina e compulsa – é a emocionalidade das situações, e a gramática do intimismo que verdadeiramente a fascina e deslumbra.

. A inclusão de um texto da sua autoria na antologia poética Memória da Palavra, nascida do primeiro encontro de jovens poetas de Coimbra, prenunciou o seu primeiro trabalho autónomo, intitulado Do Vagar e Da Memória, dado a lume pela Palimage Editores. Agora surge-nos este Para além das coisas, título que parece conferir razão ao esboço interpretativo a que me abalancei.

. À puridade vos confesso que vislumbro muito poucas diferenças entre a Maria Toscano-poeta e a Maria de Fátima Toscano, minha Amiga. E que esta última, a Amiga, não actuou jamais como o biombo "conveniente" da primeira, a Poeta. Tamanho é o desencanto destes dias portugueses de vociferação pseudo-democrática, mas tão convincente e metódico se apresenta o trabalho de nivelar por baixo a que se votam instituições e figurões ditos responsáveis, que a "fala poética" se arrisca a ser o verbo de resistentes exóticos. Muitos se deixam contagiar pela pletora das mediocridades impantes, procurando ocultar-lhes a diferença específica do seu modo de estar. É arriscado não se ser zoilo no Portugal hodierno. Tenho, por isso, como sumamente valiosa e corajosa a postura de quem apresenta com orgulho o seu "ser-outro" e de quem continua a reiterar que não esquece a "riquíssima experiência laboral e humana que pôde vivenciar anteriormente" e os movimentos de reivindicação estudantil a que pertenceu.

. A Maria de Fátima é assim: um bloco de autenticidade, modelado pelo cinzel de uma sensibilidade sem concessões. Por isso, à margem de palacianos usos e costumes, muito para lá de senhorices dúbias e de molúrias de salão, iremos sempre encontrá-la nos bares da vida, cantando com músicos amigos um fado do sul ou uma canção da Piaf, articulando uma das suas "falas" de poesia vera e eternamente fiel.

. Guarde-me então um lugarzito rente ao balcão discreto onde reúnem os seus admiradores. Quero ouvir-vos ao longo do tempo que me irá sobrar. Deste modo, alimentarei a convicção de que, apesar de tudo, ainda dardejam raios de sol por entre o plúmbeo céu que nos rodeia ...

Amadeu Carvalho Homem - Apresentação da Autora no lançamento de "Para além das coisas", no foyer do Teatro Académico de Gil Vicente em Coimbra, a 6 de Novembro de 1998.

Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
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faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
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chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
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nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
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como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
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ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
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