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segunda-feira, dezembro 05, 2005

para além das coisas - maria toscano, Nov / 98

para além das coisas (capa do livro)
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. Coimbra, 6 de Novembro de 1998: TAGV - Café-Teatro - Texto lido pela autora no Lançamento do livro
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. Goya: desiludido, desenraizado, traído por seus correlegionários, exilado e doente, ensurdece e cria as brutais aguarelas negras.
. Em conversa com José Luis Arántegui - o poeta de Poemigas, livro-CD em que tive a graça de colaborar em San Sebastián - José Arántegui, dizia-vos eu, sorriu sobre isso do Goya surdo:
. “ - Como não? E como não?! A única possibilidade de tu criares ou fazeres qualquer coisa neste mundo é ficares completamente surda a tudo; só aí, então, podes criar algo!»
. (pausa)
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.Registei.

.Guardei.

. Conto-vo-lo agora.

. (pausa)

. “Dona Maria, Dona Maria, não saia do sofá: nós voltamos já!” - o Baião, no Big Show...

. (pausa)

. O embargo em Cuba continua por des-embargar: crianças com Cancro vomitam 20 a 30 vezes por dia por não haver medicamentos.

.(pausa)

.Em Setembro de 98, em Montemor-o-Velho, famílas protestam face à inclusão de crianças ciganas na mesma escola de seus filhos:

. - “...não por sermos racistas mas porque elas [ as crianças ciganas, diga-se ] ainda não estão preparadas para a convivência...” [e pode acrescentar-se: “...para a convivência com as crianças normais ], será?

. (pausa)

.Na sanita da casa-de-banho o desinfectante azul vai visitar o oceano ibérico.

. (pausa)

. Os Oceanos foram cortejados este ano: amor platónico?

. (pausa)

. Os cientistas e tecnólogos dos países avançados discutiram a «des-minação». Estão quase todos de acordo mas...

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... para além da vontade política, o problema é sobretudo - afirmaram -, de ordem científica e tecnológica: há que definir prioridades: adequar a tecnologia ao terreno e ao tipo de minas aí colocadas; isto, claro, depois de escolher o país por onde se irá começar.

. (pausa)

. Tive um amigo gay que quando soube que era seropositivo entrou para a Companhia dos Jesuítas.

. Morreu, há 4 ou 5 anos.

. Morreu um Jesuíta.

. (pausa)

. Um amigo de um amigo meu morreu com sida. O meu amigo nem foi ao enterro (nem fora visitá-lo ao hospital) para não ser confundido.

. Sofrer a amizade.

. (pausa)

. Há pessoas que até fazem estudos sobre a pobreza, a exclusão, o desemprego...

. (pausa)

. Ainda há alguns índios vivos nas Américas-Latinas.

. (pausa)

.O Viagra já se vende cá.

. (pausa) . O Tropical (café na Praça da República em Coimbra) foi vendido e agora tomamos café com quadros à volta e azul por cima.

. (pausa)

. A Brasileira (na Baixa de Coimbra) foi mesmo um café! “Belíssimo café!” - diria o Fernando.

. (pausa)

. Madona foi mãe há uns anos.

. Ágata foi mãe este ano.

. A líder das Spicegirls retirou-se para mudar de carreira. Entretanto, na casa do George Michael, parece que lê a última edição do "encontra-te a ti mesmo" da psiquiatria americana.

. (pausa)

. Depois de Lady Di, só mesmo o zipper-gate e a sala oval para garantir as tiragens.

. (pausa)

. É mais fácil ser lésbica do que gay: “...elas disfarçam mais...”

. (pausa)

. O Chanceler unificou a Alemanha mas acabou por perder as eleições.

. (pausa)

. A tendência de moda para os cabelos das senhoras no Verão passado era os curtos.

. Este Inverno vão usar-se “os cabelos compridos, muito compridos”.

. (pausa)

. A descida das Bolsas.

. (pausa)

. E o Talon: já não incomoda os médicos portugueses? (De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento...).

. (pausa)

. Na dois, Cinco Noites, Cinco Filmes acaba.

. Mas ainda Acontece.

. (pausa)

. Manuel Alegre reeditou em 1996 Alentejo e Ninguém

. O Alentejo é das Regiões (a Região ?) da Europa mais pobre.

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. (pausa)

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. E HOJE, GOYA:

. OUVES-NOS ?

. (pausa)

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. No TAGV aconteceu acontecimento: voz, respiração, ritmo, mãos, melodia, abraço e harmonia originais (das origens): Maria João e Mário Laginha.

. A um ano do ano 2000.

. Para além das coisas

. (pausa)

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. “A Lucidez é a ferida mais próxima do sol.” (René Char)

. (pausa)

. “As grandes inteligências discutem as ideias; as inteligências medíocres, os acontecimentos; as pequenas, as pessoas.” - diz-se. E gostos não se discutem, claro!

. (pausa)

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. Ridiculum Vitae - dizia Manolo Sacristán.

. Jorge Riechmann explica: “una de las cosas más terribles que pueden a uno es encontrarse un buen día con que tiene un currículum en lugar de una vida.” (Poesia Praticable, p. 57).

. Curriculum académico, político, sexual, bancário, imobiliário, simbólico...

. (pausa)

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. E esse animal produtor de sentido, vulgo ser humano... (pausa)

. Camilo José Cela escreve: “Neste mundo só fazem falta duas coisas: saúde para revoltar-se e decência para manter a rebelião.”

. (pausa)

. e ainda Riechmann: “Todo o humano está permanentemente ameaçado de falsificação.

.Ética é o movimento que se opõe a essa falsificação.”

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. (pausa; olhos nos olhos)

. Depois destes shots, dizer-vos que NÃO ESTAMOS SURDOS.

. Porque a viagem - pelos sítios, pelos outros e pelos dentros - ajuda a desembaciar o olhar. Quando o olhar não recusa a luz, o vivo das cores, o som dos passos, o meso de si na máscara gélida de alguns.

. “nos salvamos en los demás,

. nunca en nosotros mismos”. (J. Riechmann, p. 73)

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. NÃO ESTAMOS CEGOS.

. Porque as palavras vivem para serem vividas, vivem enquanto são vivências.

. O HUMANO, esse animal produtor de sentido.

. " E todos os amantes são raianos / como os ciganos de passagem / como os ciganos.”

. (Manuel Alegre, Alentejo e Ninguém)

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. (pausa; olhos nos olhos)

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. “Para além das coisas” não conta história nenhuma. É, sim, uma olhadela de dentro da vida.

. Carlos Schvatz diz que a poesia se atreve a propor uma relação entre seres humanos que não passe pelo intermédio das coisas.

. “Para além das coisas”.

. Quando, como avisa Riechmann:

. “De tudo nos despojamos para ganhar tudo: sob uma espécie de dom, a dádiva, a gratuidade

- que só uma dilacerante má-fé confundiria com a arbitrariedade” (p. 73).

. Para Vosso proveito, se fôr caso disso.

. Muito Obrigada.

. Utopicamente, Maria Toscano.

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....

degelos do profeta

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.comecei por ser de aço inoxidável

.encarquilhada em mentiras batidas

.por alicates de pontas retorcidas

.

.comecei sendo matéria bruta e surda

.e muda de anseios e fantasias

. . vieram degelos do profeta

.espraiei-me sobre rochas carcomidas

.de mim mesma. fiquei poeira

. leves brisas

. suaves pólens de coisas esvaídas

. a cor do céu retocou-me as quinas

.de arcos-íris jubilantes, parafina

.de seda, asas de luzes

. borbotos de fontes, águas cristalinas

.me enlevaram e elevaram

.em vapores de vulcões

.febres antigas.

.

.passou o milénio dos centuriões

.seguiu-se o milénio das cruzadas

.e outros mil tempos de fés desesperadas.

.recobrei-me nos génios italianos

.pela mão de um Vinci ganhei alma

.em meu corpo perfeito de sentidos.

.

.mãos calosas de descobridores

.me levaram além terra conhecida

.cruzei-me com os demónios dos mares

.misturei-me com algemas, especiarias

.fui luxúria em sedas garridas

.fui corpo de criados e sultões

.gemi, gememos maravilhas

.que ainda hoje brilham em rostos

.sequiosos de almas perdidas

.

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.do caroço de certezas tão-só a marca

.um filete fino entre os seios

.que teus dedos demoram a sossegar

.a alindar e esquecer

.rodeios.

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.sou o barulhar das águas

.da contra-corrente ordeno a fúria

.sou o nascente e o entardecente

.calor dos corpos. sou fogueira

.entre os pinhais negros de ardidos.

.sou luar a meio do breu. sou o luar

.e a lua opulenta do desejar

.

. sou imensa toda inteira

.e sou o mar

. - desde que me reconciliei com o dar

.e contigo nasço

.em cada mortal, agoniante

.espasmo de teu veio ondear.

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Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
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faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
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chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
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nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
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como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
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ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
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