Central Blogs
. Licença Creative Commons
sulmoura de Maria Toscano está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://sulmoura.blogspot.pt/.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Texto de Apresentação de "a Utopia da Coragem"

a utopia da CORAGEM : refazer tempos de dádiva-solidariedade
.1. citação
“ Já não há histórias de amor.
No entanto, as mulheres desejam-nas, e os homens também,
quando não se envergonham de ser ternos e tristes como as mulheres.
Uns e outros têm pressa de ganhar e de morrer. Fazem filhos para sobreviver,
ou então deixam-se ficar a conversar mas como se não falassem, durante o prazer ou sem prazer.
Apanham aviões, comboios suburbanos, rápidos de alta velocidade, ligações.
Não têm tempo para olhar para aquela acácia cor-de-rosa
que estende os ramos para as nuvens intervaladas de seda azul ensolarada,
que estremece nas suas folhas minúsculas
e difunde um leve perfume transformado em mel pelas abelhas.
(...)
O tempo do amor mergulha nos nossos gestos
até que os 5 sentidos nos inundem de dor ou de arrebatamento.
Diz-se que o amor dura quando os aventureiros conseguem tratar das suas chagas,
quando a pele se recompõe e recomeçam a olhar-se um ao outro
como Narciso na água.

.
Eis o que exige muita paciência, um extraordinário culto do tempo.
.
Em amor, é preciso cuidar do tempo.
Não da duração, que é apenas um suporte da arte de amar.
Mas daquela magia que transforma o espaço de uma percepção,
de um mal-estar ou de uma alegria no instante de uma dádiva.
Dádiva de palavra, de gesto, de olhar.
Basta um pequeno ruído para te fazer saber que te tenho comigo,
que estamos bem, os dois, ali, debaixo da acácia e do pinheiro,
naquela vertigem de flores, ondas, quarteto, enxaqueca, dor nas costas.
Assim nasce a sensação de tempo.
Uma vez dados,
estes instantes sensíveis encadeiam-se em ínfimos actos.
Emersos do nada,
atam-se uns aos outros e arrastam-se com eles.

Bem se vê que não há tempo sem amor.
O tempo é amor pelas pequenas coisas, pelos sonhos, pelos desejos.
Não temos tempo porque não temos amor suficiente.
Perdemos o nosso tempo quando não amamos.
Esquecemos o tempo passado quando nada temos a dizer a ninguém.
Ou então estamos prisioneiros de um tempo falso que não passa.”

Julia Kristeva, Os Samurais. Lisboa, Difusão Cultural, 1991 (1990) *
.2. crispação da coragem
.Neste livro de combate (cf. o designo no prefácio), crispam-se alguns sentimentos que, embora comunicados individualmente, sei serem partilhados por outras e por outros: Desde a denúncia do tempo programado, à desmontagem do tempo como imposição, exterior, de regras e obrigações sociais; desde a recusa do tempo útil à defesa do tempo como a dimensão na e pela qual somos e existimos - reconstruindo-nos na relação com quem interagimos.
. Também já fui uma pessoa sem tempo.
.Até descobrir, por experiência própria, o que Kristeva tão bem partilha no texto que vos li.
. Não tenho dúvidas de que a dominação ¾ das consciências, dos sonhos, das vontades, das capacidades, dos actos, dos sentires e dos corpos ¾, de que a exploração humana, a alienação da pessoa e dos agrupamentos, são trabalhadas, na nossa civilização, pelo dogma dO Tempo; pelo mito-crença, tornados naturais, de que O Tempo não se pode desperdiçar. Quero dizer: que o trabalho (mesmo quando degradante), a submissão, o silêncio, a aquiescência, a normalização e a ritualização do quotidiano são determinantes em primeira instância para o nosso Bem-Estar bem como para o da colectividade.
. (...Claro que desta dominação temos sido cúmplices... temos tentado tirar dividendos...)
. E é curioso, mas não «espantante», que seja esta mesma civilização a que, mais recentemente, nos acene com o tempo do lazer, do ócio, paralelamente a um menor tempo de trabalho e, ainda, a um tempo ¾ pessoal e laboral ¾ mais precarizante e degradante das pessoas humanas.
. (...Isto, claro, pelas imposições inevitáveis dos Desenvolvimentos Tecnológico e Social...)
. Mas o vector civilizacional permanece: o dogma de Um Tempo entendido como dimensão externa e imposta às consciências, imposta aos sentires, imposta aos fazeres e às práticas em habituação (ou hábitos sociais). O Tempo, no singular, como plano de domação social. (Poderíamos reler Michel Foucault... só nos faria bem.)
. Nestes quase fins de século e de milénio urge, pois, reapropriarmo-nos dos tempos: é tempo de mudar os nossos tempos de cidadania; dizendo melhor: urge mudar os nossos tempos e modos de relação.
. 3. explicação da utopia
. Porquê a fala poética "a Utopia da CORAGEM" e os tempos ?
. Porque, enquanto sujeitos sociais sabemos, sei, que não pode durar muito mais... tempo esta lógica de arte marcial em que se baseiam as nossas vidas: batermo-nos pelo estatuto, pela imagem ou pelo dinheiro e quejandos, emulando todos os nossos tempos existenciais.
. Porque, enquanto sujeitos sociais sabemos, sei, que não tem grande viabilidade, nos ...tempos que proximamente, desde ontem, vamos construir, a esquizofrenia consciente e lúcida do parecer, do aparentar e do acumular, coroada pelas violências que infligimos a cada um de nós e dos outros:
. Na violência do vazio, quando paramos;
  • a violência do stress;
  • a violência da boa imagem;
  • a violência do “¾ Tudo bem?”. “¾ Yah! Tudo numa «boa»”;
  • a violência de maquilharmos, sobre os sinais de vida que ainda temos, uma carapaça de “juvenilização eterna”, de classe média sucedida, de boas e integradas pessoas.
. Boas pessoas : em quê?
. Na Intriga e no Tédio com que tecemos o nosso alheamento dos que, de nós, são diferentes e, logo, inferiores e sem importância ?
. Pessoas integradas : no quê ?
. Na engrenagem virtual do progresso e do sucesso (objectivo, invejado ou fingido) do nosso pequenino círculo e arredorzinhos ?
. 4. entrega da fala
. Esta fala, a utopia da CORAGEM, foi escrita tal como na roseira as pétalas - as belas, as secas ou as nascentes - são rodeadas pelos muitos espinhos.
. Foi e é, como tal - como fala de combate -, que vo-la devolvo.
.Com crispação, com raiva e com o amor que me fez revivenciar os tempos: estes não muito extensos tempos de vida em que apostei, como apostarei, na dádiva-magia .
.Dádiva-Magia com que também se fazem o pão, a cidadania, a luta contra a exclusão, contra a desigualdade e as misérias humanas ¾ ao que não é alheia a poesia.
.Dádiva-Magia com que se fazem, a pulso, as solidariedades ¾ das quais também a poesia não se disancia.
. Uma palavra devo, de gratidão, ao poeta Jorge Fragoso: pelo seu belíssimo livro O Tempo e o Tédio que em muito me ajudou a escrevinhar estas palavras que acabei de ler.
. Agradeço a Vª. presença, embora não deseje que fiquem bem, mas antes, que se tenham sentido incomodados, e, com esse incómodo, rehumanizem os vossos tempos de Utopia, com a Coragem da Dádiva-Magia da Entrega.
. maria toscano, Coimbra, 7 de Out de 1999.
.(Apresentação do livro no café-teatro do TAGV a 23 de Fevereiro de 2000)
-------
* Os sublinhados e a re-formatação do texto são da minha exclusiva responsabilidade.

Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
.
faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
.
chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
.
nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
.
como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
.
ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
.