.
.
.
(Camões dirige-se aos seus contemporâneos)
.
.
.
Podereis roubar-me tudo:
.
as ideias, as palavras, as imagens,
.
e também as metáforas, os temas, os motivos,
.
os símbolos, e a primazia
.
nas dores sofridas de uma língua nova,
.
no entendimento de outros, na coragem
.
de combater, julgar, de penetrar
.
em recessos de amor para que sois castrados.
.
E podereis depois não me citar,
.
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
.
outros ladrões mais felizes.
.
Não importa nada: que o castigo
.
será terrível. Não só quando
.
vossos netos não souberem já quem sois
.
terão de me saber melhor ainda
.
do que fingis que não sabeis,
.
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
.
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
.
tido por meu, contado como meu,
.
até mesmo aquele pouco e miserável
.
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
.
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
.
para passar por meu. E para outros ladrões,
.
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
.
.
.
Jorge de Sena
.
Antologia de poesia portuguesa.
M.Meneres/E.M.Castro, Moraes editores.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário