Poeta, fazedor de linguagens
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Barthes diante de uma fotografia de Jerônimo, último irmão de Napoleão, disse: "Vejo os olhos que viram o Imperador". Este espanto ele dividiu com os amigos. Mas ninguém parecia compartilhá-lo. Então Barthes constata: "A vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões".
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A frase mais parece um verso de T.S. Elliot. Um verso, uma linha, uma frase que agarra na gente. Quem é que está ausente destas golfadas de solidão? Ninguém. Mas somente os poetas sabem transpor para a ciranda de signos um sentimento raro e trivial ao mesmo tempo. A ambigüidade é marca registrada da poesia. O poeta, senhor oceânico dos signos, sabe dizer o inaudito, o inaudível, o desdito, o prescrito, o proscrito. O poeta é aquele que se vale da palavra, da cerâmica, da tela, da areia, da luz, do ferro, da madeira, da pedra, da água, do fogo, do silêncio e dos sons para fazer poesia.
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O poeta é um fazedor de linguagens. O que ele faz é ouro. Midas das mídias, é sempre um meio entre as extremidades do gozo e do martírio.
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Homem do povo, o poeta sabe que nada pode fazer se ignora a língua dos bares, das feiras, dos camelódromos, dos campos, das fábricas, das cozinhas, das vias públicas, das portarias, das fazendas, dos sítios, dos cariris, dos sertões, do agreste, das praias. A língua viva do povo é a melhor matéria e o melhor material do poeta.
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Um povo sem literatura é um povo fadado à bancarrota. Uma nação sem poetas está à beira da derrocada. A um triz de ser engolfada por outras nações e culturas mais fortes. A língua do poeta não pode ser a norma culta. Esta norma asfixia a flexibilidade, o molejo, o dengo de "tudo aquilo que o malandro pronuncia", como pontua Noel. Por ser tão ímpar, tão inesperadamente singular, por mandar às favas as leis do mercado, o poeta então se atreve cada vez mais na busca de uma linguagem nova. A busca pelo novo, pelo ainda não dito nem escrito, move o poeta. O poeta adora selinhos. E abomina ósculos. O poeta abraça apertado. Mas nunca dá um amplexo.
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Na simplicidade do fazer (ou do dizer, já que ambos são a mesma coisa para o poeta) o poeta inaugura outros modos de ser e estar. Outro jeito de corpo. Outra moda, contra a moda.
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Por ser inapreensível em todos e em nenhum modelo, o poeta cria sua própria gramática, seu próprio dicionário, sua exclusiva linguagem. Assim, seu produto não obedece às leis do mercado. O poeta vive a golpes de pequenas solidões.
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todos os direitos reservados para Amador Ribeiro Neto
Jornal A União (Paraíba), 18 de março/2008
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