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«Sem dúvida, um belo espectáculo!
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Limpo; sério, porque não meramente lúdico - pois apresentar o tango, no séc XXI, como se se tratasse de um mero disfrutar musical seria, no mínimo, anacrónico; não seria Arte.
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O fio condutor do espectáculo em dois Actos, segue a diacronia dos tempos: os sócio-históricos: desde o tango de rua e dos cafés dos portos, passando pela aculturação dos migrantes europeus (franceses - BAires, a Paris Latina), pela "milonga" e o tango "del barrio", até ao novo tango; e os tempos sócio-musicais: desde Volver (e Gardel, por supuesto) até Libertango (do Senhor Piazzolla).
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Confortam-nos e provocam-nos alguns dos arranjos - também porque inesperados.
Conforta-nos e provoca-nos que a excelência da execução técnica não impeça o pulsar da calidez latina, da alma argentina - sem nacionalismos balofos nem aproveitamentos demagógicos.
Conforta-nos e provoca-nos, serenamente, a contenção dos cenários e a inteligente fuga ao foleiro e ao pastiche - foi um alívio não ter nunca entrado em cena "a cortina vermelha", batida e desgastada por tudo o que pretende ser um espectáculo com uma coxa e um "som quente", assumidamente pimba ou inconscientemente apimbalhado.
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Com o espectáculo cresce a sedução constante entre "A" Buenos Aires e "O" Tango. Desta sedução resulta uma interpelação para o espectador: existir, como os loucos de "Balada para un Loco" ou em "Acompañada y Sola" é o mover contínuo (Movimiento Continuo de Piazzolla) da dupla pulsão eros e morte.
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Talvez nenhum outro património cultural-musical consiga alguma vez consagrar de forma tão forte a ambas. Talvez por isso o tango continue a ser produção cultural e testemunho histórico; talvez, também por isso tudo, o tango retrate os mais fortes estereótipos construídos socialmente sobre o feminino e o masculino.
Num século XXI fragmentário, que não o século do fim da História, a história do tango patenteia bem como o que há de cristalizado e duradouro nas formas culturais não é impeditivo - muito pelo contrário - da reconversão, renovação e, mesmo, da mudança e transformação daquelas mesmas formas.
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Se houver dúvidas, leia-se e oiça-se "Libertango", ou... "Las ciudades" ou "Preludio para el año 3001" - todos de Horacio Ferrer e Astor Piazzolla.
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Se houver dúvidas, ainda, leia-se:
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"Tango querido, íntimo y fraternal
con un dolor consorte de juventud
y el tinto ritual.
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Tango querido ¿quién
te enseñó a cantar
con tanta pasión?
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Canta a los tormentos y dulzuras del amor
Canta a los filósofos linyeras del café
Canta a los antiguos cambalaches del poder
canta a los amigos adorados que no están
canta el tango, tangamente, con la pena de saber."
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"Tango querido"; Música: Daniel Binelli / Letra: Horacio Ferrer
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E se ainda houver, dúvidas... oiça-se o ritmo do coração enquanto toca um tango.„
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por maria toscano, em Coimbra, a 12 Out/2008
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