hoje
nem fui aos gatos.
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vieste mais cedo do que é costume nestas 4.ªs-feiras
de neo-liberalismo desenfreado
em que te vi seres expulsa do meu lado a lado sereno
- o que estranhei, como terás percebido pelo facto de não ter feito barulho -
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e até me parece que te esmeraste no tempo da volta
da meia-noite.
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mas isso agora já não tem importância nenhuma.
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quando leres isto
já estarei na quinta
com os meus amigos
livre e reconciliada com a luxúria
dos cheiros das cores raízes de ramos e
pássaros livres
- invejáveis, esses, com asas -
com a luxúria da vida que
bem sabes
tentei adiar ou dissimular
mas a que não pude resistir mais.
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bem sabes do que falo.
cuida, tu, desse teu amigo
sementeira de luxúria doce
de madura
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a mim, cabe-me honrar a cor
a agilidade e a candura que me tocou nesta terra.
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deixo-te os teus livros
e os CDs
e os discos de vinil.
deixo-te
intacta
a casa
(honra me seja feita)
e
acima de tudo
deixo
definitivamente
de marcar cada assoalhada com o dourado
da minha respiração.
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enquanto as teclas
moderadamente soam aí
mesmo por cima da minha cabeça
inspiro uma vez mais o odor da tua perna
afago, uma vez mais,
a borda do teu sofá
espojo-me no tapete
- peludo por douradas razões óbvias -
e sei
por fim
que amanhã te vou deixar.
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cuidarei de guardar estes cheiros e gestos.
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cuida de tudo o que te deixo.
de ti, amiga.
da tão precária vida.
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é mesmo por isso que amanhã parto:
para que a vida - a tua e a minha -
se cumpra.
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não voltarei.
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nem um abraço futuro te prometo
nem sequer uma carta, um mail
nenhum bilhete.
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entre amigas como nós
tais formalidades são dispensáveis.
que nós não somos umas amigas quaisquer:
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quem mais se pode dar ao luxo de me ter tido
durante 7 anos
como sua cadela?
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por isso nem fui aos gatos:
não merecias tal desobediência em véspera
de renascimento.
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vá, dorme bem.
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amanhã é outra vida.
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maria toscano, 27 nov/2008 (no dia em que a Bruna foi aprender a ser cadela livre)
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