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segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Literatura do verso ao vídeo - João Bandeira

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Literatura do verso ao vídeo 1 - João Bandeira 2
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Grosso modo, para haver literatura no sentido em que a entendemos hoje – uma imensa massa de textos largamente difundidos na forma de livros e identificados por título e autor – foi preciso o advento da imprensa com tecnologia de tipos móveis, no século XV. E mais algumas centenas de anos, ao longo dos quais não tem cessado de crescer uma espécie de enorme
comunidade de produtores e receptores: quem escreve, quem fabrica e distribui livros; quem lê por gosto ou necessidade; quem estuda literatura e, entre estes, os que ensinam outros a reconhecêla como uma prática artística ou ao menos um ofício. Ou seja, não houve sempre a figura do escritor profissional que lança periodicamente no mercado novas obras, nem o chamado público leitor, na maneira e na quantidade com que estamos acostumados.
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Partindo do que já existia antes ou introduzindo novas regras, durante esses aproximadamente cinco séculos, desde Gutemberg, uma série de convenções de escrita, assim como hábitos de leitura, foram se desenvolvendo. Convenções estilísticas (os diversos tipos de rima em poesia, por exemplo), convenções gráficas (as maneiras de indicar uma citação ou um diálogo são algumas delas) e hábitos de leitura como a tentativa de recompor a personalidade do autor para explicar o texto. Alguns hábitos e convenções desaparecem com o tempo, outros permanecem no todo ou em parte. Entre os mais duradouros está, compreensivelmente, a associação quase direta de literatura com livro. Entretanto, ao comprar uma edição da Ilíada ou da Odisséia, nem sempre nos lembramos de que a tradição literária reconhecida como nossa, da qual nos consideramos mais ou menos herdeiros, inclui uma grande quantidade de textos que por um longo período circularam oralmente antes de terem registro escrito. É o caso daqueles grandes poemas épicos atribuídos a Homero. Da mesma forma, a poesia lírica grega da Antigüidade foi concebida para ser dita em voz alta, por uma só pessoa ou um grupo, com acompanhamento de instrumentos musicais de cordas, sopro ou percussão (lira, flauta, tambor), e, às vezes, coreografias. Eram também “literatura oral” alguns famosos poemas anônimos da Idade Média européia, como o Cantar de Mio Cid e a Chanson de Roland, assim como a produção dos trovadores da Provença, que compunham sofisticados poemas para serem cantados. Sem falar de um outro tipo de poesia feita para ser ouvida: a que faz parte do grande
repertório de peças de teatro escritas em verso, indo do trágico ao cômico, de Sófocles a Molière, por exemplo. 
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Dando um salto cronológico até mais perto de nossa época, vamos encontrar diversos autores ligados às vanguardas artísticas do século XX que se dedicaram, entre outras coisas, à poesia em voz alta, em chave experimental. Autores de nacionalidades lingüísticas tão distintas como Filippo Tommaso Marinetti, Vielimir Khlébnikov, Kurt Schwitters e Antonin Artaud. Existem gravações dessa produção, feitas pelos próprios poetas ou por outros intérpretes, às vezes deixando de lado qualquer palavra conhecida para explorar o potencial de significado da pura sonoridade da linguagem. Poetas de vanguarda investiram também nos elementos visuais da escrita (o tipo e o tamanho das letras, sua disposição, o uso de cores etc., ou a expressividade da caligrafia) e em novas maneiras de associar palavras em alternativa à sintaxe tradicional. Assim fizeram, entre outros, os brasileiros Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, que lançaram a poesia concreta em meados dos anos 1950. Para isso, adaptaram modelos construtivos da música erudita, das artes plásticas e do design gráfico ao seu trabalho com as palavras. Em todos esses casos mais recentes, o interesse dos autores é justamente evitar as convenções literárias consagradas, ou pelo menos algumas delas, seja inventando procedimentos, seja retomando recursos já existentes mas deslocados de seu
uso comum, para propor formas de “leitura” inéditas.
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Como se sabe, o século XX se caracterizou, entre outras coisas, por uma verdadeira explosão de novos meios técnicos de manipulação da imagem e do som (e da palavra escrita) – a fotografia, os filmes, os discos e muitas outras variantes destes até chegar ao computador e à internet. Com eles vieram a chamada indústria do entretenimento e novas formas de expressão depois reconhecidas como “arte”. As convenções literárias não deixaram de receber também o impacto daquela explosão. De modo geral, intensificou-se bastante um processo já existente de interação entre modalidades artísticas diversas, além da experimentação com os novos meios. Esta combinação foi talvez o que sugeriu ao alemão Bertolt Brecht e ao irlandês Samuel Beckett escreverem textos especialmente para serem transmitidos pelo rádio; ao catalão Joan Brossa fazer poemas-objeto; ao italiano Elio Vittorini e ao brasileiro Valêncio Xavier publicarem romances e contos que misturam texto e imagem; a autores de várias partes do mundo realizarem poemas visuais impressos ou em vídeo. 
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Atualmente, em paralelo com sua carreira de músico popular, Arnaldo Antunes faz leituras ao vivo dos seus poemas, controlando ele mesmo a amplificação da voz, alterada na hora por vários efeitos sonoros, graças a um aparelho eletrônico do tamanho de um livro. Na internet, encontra-se o texto completo dos sonetos de Shakespeare e uma infinidade de outros clássicos e, ao mesmo tempo, experiências literárias em curso, como narrativas virtualmente infinitas, que têm seu desenvolvimento constantemente alterado por, em princípio, qualquer pessoa. O interessante é a convivência de novas e antigas formas de produção e difusão de textos. O espetáculo do poeta Ricardo Aleixo, que mescla leitura de poemas, projeção de imagens e ambientação sonora acústica e eletrônica, ao lado da máquina tipográfica que espalha folhetos com haikais de Paulo Leminski e poemas de outros autores, no evento anual Perhappiness, em Curitiba. É possível ouvir leituras de A morte do leiteiro e de O cão sem plumas feitas por Drummond e João Cabral, e registradas em disco. Mas também é possível reavivar esses poemas, simplesmente lendo-os em voz alta – tão bem ou melhor do que os próprios autores. 
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Vale lembrar que a difusão maciça dos novos meios e certas mudanças de orientação nas ciências humanas permitiram também um maior conhecimento e a valorização de práticas,
por assim dizer, “literárias”, de povos fora da corrente principal da nossa tradição ocidental, greco-latina-judaico-cristã, fossem elas de uma tribo da América do Norte (a poesia dos Sioux, por exemplo), de uma comunidade da região do Mali, na África (as narrativas dos griôs), ou de uma civilização há muito desaparecida como a dos astecas. Da mesma maneira, passou-se a dar atenção a textos igualmente de fora do universo da Literatura, embora muito próximos de nós no tempo e no espaço. No Brasil, pode ser a literatura de cordel do Nordeste (praticada lá mesmo ou em São Paulo, por cantadores emigrados), pode ser o romance7 depoimento de um escritor da periferia social de uma metrópole como Belo Horizonte, pode ser a poesia canto-falada de um garoto dos morros cariocas. De todo modo, frente a uma variedade dessa amplitude, estamos todos com o mesmo problema: escolher o que nos interessa num mar de textos, em formas diversas. Seria melhor lidar com tudo isso estabelecendo critérios claros de análise, com atenção redobrada a cada contexto de produção, e mantendo, ao mesmo tempo, alguma generosidade com o que parece diferente do estabelecido (e mesmo com o que consideramos, negativamente, como já conhecido). E, assim, assegurar a possibilidade de enriquecer aqueles critérios. A essa altura, existe informação disponível e experiência acumulada razoáveis para evitar tanto a aplicação indiscriminada de algum filtro estetizante a todo texto que se encontra pela frente, quanto um tipo de valetudo que aprova qualquer coisa para apaziguar consciências. Nenhum texto – de qualquer gênero, em qualquer meio – é poético de nascença. Seu atestado de obra “literária” é produto de uma espécie de consenso entre leitores/ouvintes/espectadores. Leitores em geral e especializados – outros autores, críticos, acadêmicos, educadores, jornalistas, publicitários, entre outros. Esse mesmo consenso, ao consagrar ou relegar à sombra autores, obras, tecnologias do passado e do presente, procura traçar as fronteiras do universo literário. Para além delas se abrem (até onde, até quando?) as interfaces da (minha e/ou sua e/ou deles, nossa) literatura.
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Notas
1. Adaptado de “Interfaces da Literatura”, texto do autor publicado em Território das Artes (Maria Rosa Duarte de Oliveira e Sandra Marz, orgs.), São Paulo, Educ/MEC, 2005.
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2. João Bandeira trabalha com a palavra em meios diversos, incluindo som e imagem. É autor de Princípio da Poesia (Entretempo, 1991) e Rente (Ateliê, 1997), e organizador do livro Arte Concreta – Documentos (Cosac & Naify, 2002). Participa do grupo Poemix, com espetáculos de poesia em multimídia. Entre suas exposições mais recentes estão Palavra Extrapolada (Sesc Pompéia, 2003) e Poemixbr (Centro Cultural Telemar, RJ, 2005).
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Fonte: aqui
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Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
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faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
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chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
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nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
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como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
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ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
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