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intuo que estejas bem,
pai.
e, embora confiante de que nada
do que te diga te espante
cumpre-me, como filha
amada e querida
manter-te a par
das coisas:
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os pés que se ouvem
nas ruas
marcham ou correm mesmo
tanto o frio
interior
a congelar as consciências
a coragem e a constância.
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há meninas e meninos
a ir e vir tristes
da escola.
desaprenderam, os crescidos,
o encantamento da vida
e à argúcia infantil
não escapam tais trejeitos
de sordidez e desistência.
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há jovens encarquilhados
medrosos e parados
à espera do futuro
outros jovens, porém,
persistem na roda da vida
caminhando do presente para o futuro,
único modo de resguardar o passado.
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os velhinhos satisfeitos por viver
dão voltas aos chapéus de chuva
(como o Charlot, estás lembrado?)
atravessam devagarinho nas passadeiras
páram a olhar o céu
uma moça decotada que passe
ou coisa nenhuma
pensada para dentro.
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as velhinhas felizes por viver
sofredoras dos ossos
insistem em carregar sacos
casacos mochilas e chapéus
aos netos.
tristes — infelizes, mesmo —
parecem os passantes
encerrados em carros
contas-visa e
status da contrafacção
instalada
agora
nas identidades e
modos de ser
de alguns humanóides.
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bem sei, pai, é a condição humana.
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bem sei que o fruto e as folhas
têm de cair
todos
no chão
para poder a vida refazer-se.
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estamos, pois,
num dos invernos da humanidade.
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conto contigo
para assinalares
o momento da floração.
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e, de momento, é tudo.
um beijo terno
desta que tanto te quer
e atende as notícias — sinais —
da tua parte.
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maria toscano.
Coimbra. Restaurante AllôPizza. 5 Janeiro/2011
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