1.
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amo-te por dentro deste sentimento
alegre e ácido sabor a pele
derramado em condimentos
amo-te assim sem jeito nem leito
onde pousemos juntos plenos unos
amo-te em contratempo
sem corrimão em contramão
sem alpendre nem rede
para amenizar
o furor de ambas
as asas com que me casas
à tua mão à tua boca
ao teu sorriso de pão.
amo-te fora de horas
quando as horas avisam, a luz alumia
imprevista e o amor palpita em meu colo
em meus seios acesos
no meu dorso
de ânsias doces inapeláveis
inalcansáveis. imorais, pois puras
do pleno sentir.
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amo-te como há tanto nem tanto
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amo-te como há muito não muito
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amo-te como o olhar cala a lágrima
...............como o gesto resguarda a mão
...............como o trilho inverte o passo
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amo-te sem queixas, dolorosamente atenta ao que não dizes
...........................................amorosamente intensa porque não calas
...........................................loucamente sã do obscuro ciclo das falhas
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amo-te com a palavra por dizer
no verso travesso a escapar-me
...........................................entre o dedos
...........................................entre os veios da ungida carne que me honra
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amo-te destemidamente aquietada pela distância
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(nunca tal lonjura tão perto me habitara)
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e amo-te
ainda e sobretudo
sem razão nenhuma
sem motivo nem esperança de que algum dia
também, tu, me ames
meu amor.
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2.
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pelas veias adiantadas dos tempos
caminhei imenso ao teu encontro.
deste passeio ou passagem guardo tudo
tudo quero espero anseio tudo desejo.
tudo me pertence por direito gravado
nas plantas dos pés, nas rugas das mãos
nos nós nos joelhos e desvãos nas costas
nos olhos enxutos, ciosos da água
nas generosas ancas onde te cabe sentar
nos seios perfeitos a pedirem alimento
nas límpidas coxas prontas, a latejar
tudo me é pertença eterna
da saga maravilhosa de ter sido feita mulher.
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pelos tempos demorados nas veias
alcanço o desejo novo neste encontro.
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morro-me de novo ao renascer
e a vida, grata, dá-me, de novo, a mão.
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3.
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nos meus olhos pressinto como te moves.
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nos meus braços intuo como respiras.
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nos gestos da palavra que te sobe à nuca
estremece o sentido o uno respirar.
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há sal doce antigo e saias de varina a esvoaçar dentro do meu peito.
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as folhas, este Outono, resistirão nas árvores
esperando que passes no caminho da voz.
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meninos pobres arregalam os olhos negros
ao mergulhar para fora desse poema visual.
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mulheres estafadas pelo desconsolo da espera
aprendem a nobreza desse alheio esperar.
fazem contas ao corpo do tempo humilhado e
espantam-se do desejo íntimo lhes permanecer.
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ah e as mães viúvas de filhos jovens
e os pais doridos por esposas entrevadas
loucas acamadas devolvidas
ao leito virginal
ah e filhas e filhos chorosos nas memórias
primeiro colo, mãe
primeira mão segura, pai
ah e todos os esquecidos sem nome de cidadão
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os meus braços estremecem quando te moves.
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os meus olhos ampliam-se ao respirares.
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a terna dança do poema vem, nos envolve
estremecemos no intenso do criar.
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há sal doce antigo e saias de varina a esvoaçar dentro do meu peito:
o silêncio entoa cânticos invisíveis de fulgor.
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maria toscano.
em Coimbra, na Casa Verde, a 13 Julho/2011
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