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Baseado no trabalho disponível em http://sulmoura.blogspot.pt/.

quarta-feira, agosto 24, 2011

De-ouro

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1.

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cansado de caminhar pela Península

recostou-se, o deus, à beira rio

descalçou as sandálias de folhas secas

desatou a liana da cintura

para descansar

o manto

na terra fresca estendeu as pernas

sorriu

e em brilho de ouro

as águas se espelharam.

passou uma mão pela testa alta

refrescar-se depois de a molhar

rodou o pescoço até ao solo

recostando-se mais no vizinho tronco em concha.

repousado, assim, adiou o seu trabalho

(como só aos deuses é consentido o adiar)

fechou os olhos.

fez-se dormir

desprendendo-se, devagar, do corpo.

deixou-se, respeitador, a recobrar

durante os séculos dos séculos sem tempo.

um dia, há-de voltar ao seu lugar

que dessa vez abandonou para, de novo,

dar vida ao que é só desmesurado

— ao que, para nós, nada mais são que granitos

....desvitalizados especados à margem

....na margem direita do Rio De-ouro.

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2.

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estes socalcos com folhas verdes

são escadas velhas

onde cerejas e uvas

hoje

guardam trilho de deuses

resgatado trilho do baixo ao alto

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por isso as flores de brincadeira são brincos de princesa

da deusa embelezada para a subida.

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3.

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da crónica de viagens ressalvo apenas

o verde erecto, o azul paciente

disposto a lavar gestos sem gente

carreiros de horas agarradas à enxada

rugas obstinadas a desgranar calhaus

ressalvo, pois

— sobretudo, ressalvo —

a mão de ofício. sedução. Natureza.

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4.

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um pouco mais de força, cresce o tronco

um pouco mais de luta, nasce a parra

um pouco mais de esforço e faz-se a casta

que esse pouco mais de algo atingiu De-ouro.

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5.

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desliza pelo azul. o verde espelha.

ladeados — o espelho é o caminho —

pés socalcam a aridez, gerar o vinho.

desliza pelo azul. este caminho

amassado em broa ou regueifa loura

sob o espelho revela o grande ofício

que é este de fazer-se e ser feito à mão.

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6.

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desapiedadamente

desceu a lâmina

fatiando o lume denso roxo inteiro.

socalcos-trás-socalcos

o que se erguia

era, foi lâmina

aço esquinas horizontais

desapiedadamente

o amoroso

recolheu-se na casca de onde vinha

.

ainda lhe oiço o timbre a conversar,

vezes, há, que caminho à sua beira,

nossos braços roçam-se por instantes,

se a lua é cheia o travesseiro suspira

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visto os olhos com a água clara da Régua

os ouvidos com fados da Graça ao rádio

vê-se, então, um castelo, colinas

colinas de luz pura ternuras puras

me arrepiam o passo (sigo no barco)

e aprendo

de novo:

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a guitarra é mulher.

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só de mão aberta se refaz o fado.

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7.

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vogo, vagarosa, sobre o leito

azul esverdeado verde e amarelo

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vago. vou. sou a via vagarosa

alma do leito água que alumio.

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ciosa imanente silenciosa

sou da mesma casa

ondulo com a deusa una

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vogo. vago. Sou e alumio.

Mulher

marginal leito central.

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maria toscano.

em viagem pelo Rio Douro. 3 Setembro / 2004.

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Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
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faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
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chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
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nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
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como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
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ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
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