Central Blogs
. Licença Creative Commons
sulmoura de Maria Toscano está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://sulmoura.blogspot.pt/.

terça-feira, fevereiro 25, 2014

as Cidades e os Rios





os Rios vieram à cidade de visita, em alegre passeio.


chegaram pelo leito do rio
mestre em cursos e mapas de navegação.

pelos dedos do rio central vieram
até escolherem, cada um, o seu caminho
o seu rumo novo a desbravar por entre as casas.

as escolhas eram inéditas e múltiplas:
     nunca os rios, antes, tinham tido a opção
de alagar zonas calcetadas e empedradas
nem, mesmo, barradas de alcatrão e cimento,
zonas urbanas citadinas e manuais.
os rios conheciam muitos percursos
pois estes eram rios bem viajados:
sabiam de leitos pantanosos em pausa no estio,
ruas de areia e pedra se, na fatal secura
fundos aguados ou esverdeados
se transfiguravam em passeios pedonais entre margens.
os rios conheciam as margens curtas
e as generosas mas, também, alagadas.
os rios conheciam centros históricos
nivelados para acolherem mais águas,
baixios de herdades, encostas vãs,
ocos muros e pontões instáveis. furos
de poços disfarçados por entre os campos,
docas abandonadas na crise da dignidade operária,
marginais burguesas invadidas de espuma e sal
onde os rios às vezes marcavam encontro com o mar.
mas, ruas de pedrinhas ou cimento, inteirinhas
ruas feitas à mão, do passeio ao bueiro,
ruas urbanas interiores a apartamentos
escolas, zonas de lazer e gratidão
ah, essas eram escolhas, até então, inéditas
que os rios dessa primeira vez estrearam,
que os rios aceitaram como rito e desafio.
foi assim que os rios vieram amigáveis
de visita e em passeio alegre à cidade.
ao primeiro escoar dos seus passos
as casas deitaram olhares distraídos
acalmando o nervosismo dos próprios rios.
depois, os caudais avolumaram-se
e, as casas, inquietas, franziram o sobrolho
que é como quem diz, recolheram portadas e portas,
deram voltas a ferrolhos e fechaduras
e puseram-se, à espreita, detrás das persianas
estrategicamente descidas a três quartos.
os rios, novos nas lides urbanas
confiaram nesses sinais como acenos
e gestos de confirmação para avançarem
em segurança para todos, casas e rios.
só que o que parece nem sempre é e onde os rios
leram confiança dádiva generosidade e integração
as casas tratavam de erguer barreiras
desconfiança, ao mesmo tempo que, entre si, emitiam
mensagens de medo disfarçadas de protecção
mensagens de medo cobarde sob o nobre argumento
de estarem a ser minadas na sua supremacia
ante a realidade inteira: floral, faunal,
líquida, gasosa, térrea, enfim: natura viva.
escusado será dizer de equipas e batalhões
de especialistas mobilizados pelas casas:
— domadores do fogo e de inundações.
experts em assaltos a cofres e caixas-forte.
mergulhadores de gélidos negros e limpos mares
familiarizados com a veneta bipolar das marés.
ninjas atléticos rapidíssimos em fatos lustrados.
duetos de agentes da autoridade (qual?) à paisana
que ao passar, de tão perfeitos, passavam por camaleões.
para além de funcionários endividados a pato-bravos
munícipes gestores presidentes de Junta ou Juntas
fiéis cães-de-fila de quem manda até que mude
e se virem, fidelidade e focinhos, para o novo amo —.
escusado será dizer e continuar
a enunciar o caos instalado nas Cidades
não pela vocação de tais equipas ou batalhões
mas porque o alerta não tinha cabimento
e, como se sabe, quando se enfrenta a uma força da ordem
com um movimento de forças não agressivo
o paradoxo instala-se nas forças treinadas para a desordem:
a reacção de não reacção é inusitada
e, por regra comunicativa, bloqueia a reacção treinada.
os Rios que visitavam as Cidades
em alegre passeio de descoberta
e expansão de suas habilidades
sentaram-se, tristes — muito — pela incompreensão
de casas e suas forças treinadas para a desordem.
e, sentados pelas Praças Largos e Esquinas das ruas
os Rios desataram a chorar, desconsolados.
só então os visitados perceberam como a visita era amigável.
mas já era tarde pois a subida das lágrimas
inundava carpetes, móveis, casas e corações.
.
.
.
maria toscano ©
Coimbra, Pastelaria Tosta Rica, 17 Fevereiro/ 2014.




Sem comentários:

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
.
faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
.
chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
.
nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
.
como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
.
ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
.