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Dão-nos um lírio e um canivete
.E uma alma para ir à escola
.E um letreiro que promete
.Raízes, hastes e corola.
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.Dão-nos um mapa imaginário
.Que tem a forma duma cidade
.Mais um relógio e um calendário
.Onde não vem a nossa idade.
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.Dão-nos a honra de manequim
.Para dar corda à nossa ausência.
.Dão-nos o prémio de ser assim
.Sem pecado e sem inocência.
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.Dão-nos um barco e um chapéu
.Para tirarmos o retrato.
.Dão-nos bilhetes para o céu
. Levado à cena num teatro.
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.Penteiam-nos os crânios ermos
.Com as cabeleiras dos avós
.Para jamais nos parecermos
.Connosco quando estamos sós.
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.Dão-nos um bolo que é a história
.Da nossa história sem enredo
.E não nos soa na memória
.Outra palavra para o medo.
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.Temos fantasmas tão educados
.Que adormecemos no seu ombro
.Sonos vazios, despovoados
.De personagens do assombro.
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.Dão-nos a capa do evangelho
.E um pacote de tabaco.
.Dão-nos um pente e um espelho
.Para pentearmos um macaco.
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.Dão-nos um cravo preso à cabeça
.E uma cabeça presa à cintura
.Para que o corpo não pareça
.A forma da alma que o procura.
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.Dão-nos um esquife feito de ferro
.Com embutidos de diamante
.Para organizar já o enterro
.Do nosso corpo mais adiante.
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.Dão-nos um nome e um jornal,
.Um avião e um violino.
.Mas não nos dão o animal
.Que espeta os cornos no destino.
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.Dão-nos marujos de papelão
.Com carimbo no passaporte.
.Por isso a nossa dimensão
.Não é a vida. Nem é a morte.
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. Natália Correia. Poesia Completa. Publicações Dom Quixote, 1999
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