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sentirás a falta das montras / mudas
ladeando a calçada
que viste nascer.
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sentirás a falta dos dois declives
dois, acentuando
a imponência de um — desse — mosteiro.
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sentirás. a falta de tantas coisas
sinais minúsculos ridículos
disparatados
para outros que não amem esta cidade
como tu.
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sentirás.
falta de telhas improváveis
porcelana branca e azul
sob o telhado
sobre a montra da livraria na Sofia.
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sentirás.
falta dos garridos recentes
que ajudaste a espargir
pedra sobre pedra.
e madeira.
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sentirás.
falta do vidro antiquado
rachado partido remendado
com cartão. grosso.
cor pardacenta.
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sentirás
falta do incómodo oficial
plasmado
nas salas
de apertar
funcionários.
.
sentirás.
falta do aroma a café / ao fundo do lado direito do teu caminho
para o almoço.
.
sentirás.
falta do desrumo de arruma-
dores
nódoa social das des-
igualdades que sempre invocas.
lembras.
.
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sentirás falta de tudo isso e outro tanto
.
mas, sobretudo / antes de tudo
/ e antes de mais
é a cidade que, agora, agora mesmo, já tem saudades
ao interrogar-se
.
quanto à diferença que o amor terno do teu olhar
trazia às gretas, a tudo o que sufoca
.
quanto ao que falta/ ou se esvai/ no seu bulício
nos seus passeios/ nos seus bons dias
e nos cinzentos.
.
quanto à ausência,
exasperante,
do teu passo
tua passada
/do teu ar branco e amoroso.
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sentirás.
falta de tudo e outro tanto
mas, sobretudo
/ e antes de tudo
sou eu, cidade,
sou eu quem sente
— sem que o pressintas—
falta de ti.
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maria toscano
Coimbra, Restaurante Porta Romana, 6 março/2010
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2 comentários:
belo poema, Maria. da vivência/ pertença a um lugar. muito bonito o final.
Cara Maria Manuel: com este seu comentário ganhei 3em1
:-)
é que, para além das Palavras Atentas e Gratificantes com que me brinda, fiquei a conhecer não só o seu blog como, e sobretudo, a sua Poesia.
Bem Haja!
Cordialmente e Grata, mt
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