quando a maré se levanta
vem de mansinho.
aliás, não vem
remexe-se bem lá no fundo
convocando algas corais
e a sereia
que dessa vez venha no seu
carrossel.
quando a maré se levanta
há gotículas de oxigénio
de plâncton e sorrisos
e os peixes deliciam-se
nas lufadas de ar.
mas, sobretudo,
quem rejubila em cada maré nova
são fósseis tritões e ninfas.
verdade, verdadinha:
nunca são novas
as marés que se levantam
espreguiçadas
pela bainha de rochas e areais.
são visitas e promessas
são guardiãs
do que respira à tona, à superfície.
são guardiãs e promessas:
são visitas
para tudo o que submerge
eternamente.
quando a maré se levanta
vem de mansinho
nesse labor discreto de anciã
reconhece um a um todos os
gestos
que fundam os mistérios dos oceanos.
acaricia cada pérola viva
crosta aparente de húmus palpitante
retoca a agulha e outras ferramentas
dos peixes operários laboriosos.
brinda a cada côrte de corais
beija a finura dos lábios das areias
roça, saudosa, pelos matos lavrados.
doces princesas dos 4 elementos
governam, agora, outras paragens
que a maré visita antes do recolher.
quando a maré se levanta
e todos já despertaram
beija a mão à sereia que a guia
e deposita-lhe, no colo,
a agenda
das oportunidades / que traz / para esse dia.
.
é, então, que a sereia fica encantada
.
da beleza e amplidão do seu trabalho
gemem-lhe os olhos
afina escamas
refulge nos brilhos
vem à tona
brandir a cauda
guia, gulosa, a maré.
e a veloz maré
alaga rochas terras e areias
onde os humanos andam perdidos
até que consigam entender
que as marés
são abraços
que a vida dos fundos nos dá.
.
maria toscano
Porto, Casa de Serralves
9 Maio / 2006
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