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disponha de um ror de comodismo
protegido da luz durante anos.
da prateleira decorada com o cachecol/ do ansiado euro2004
retire, com cuidado, o fermento
que ainda lhe reste da vidinha.
ao tecto falso do seu ordenado
arranque mais uns zeritos, a crédito.
escolha o tacão menos sovado e gasto
para dar a altura ao tabuleiro
que deve barrar com o sebo amealhado
desde o comício primeiro. e reserve.
disponha também de culpa e medo
cruzados em forma de cruz / pregada ao centro / com o prego da cobardia.
disponha na bancada de fórmica
inveja maledicência e rancor.
duas folhas de esganada raiva negra
uns grãozinhos da esperança amealhada para ir pôr no prego, se preciso.
a, esboroada, paixão encontrada em saldo
franjas de alegria da meninice
as ourelas do casamento. arrastado.
embrulhadas nos abraços desbotados/ com a humidade do tédio diário.
na bancada cinzenta alinhe os instrumentos
a loiça os condimentos e a paciência.
destape os boiões onde conserva
a cólera a piedade e a pequenez.
afie a lâmina da língua, o cabo
dos dias
o reverso das estrias
a imbecilidade
o silêncio covarde
a cobardia
a comiseração
as insónias e
a prisão de ventre
e um q.b. de brilho engarrafado.
reserve com desconfiança
e cuide agora do molho infernal.
prepare as ilusões que soterrou há anos
na caçarola onde, a ferver,
misture azeite banha margarina e ranço
— todo o ranço que tiver, de uma só vez —
e mexa tudo, ao contrário, para talhar bem.
assim que o coágulo feder
apague o lume. tenha à mão beijos
de plástico ou látex e um ou outro
orgasmo simulado para polvilhar
uma forma gigante onde deve verter
um dos condutos e o molho. no tabuleiro
disponha a massa esganada e ensebada.
deixe ficar a enregelar odiosamente
com asco, demagogia e hesitação.
reserve com desconfiança
friamente.
está pronto a servir se algum dia
tiver a visita, inesperada,
de algum inconfortável / rebate / de humanidade.
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maria toscano
2009; correcção: 19 março /2011
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