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a despropósito, sem espaço, tempo nem vocação
cumpre-lhe, agora, a tarefa de coveiro.
os ponteiros do relógio,
transparentes
de tanto roçar entre o meio dia e noite,
fraquejam de vez e emitem um feixe fino
de amplos bocejos e admirações.
o pulso esquerdo, livre das horas
encontra a doçura e os gestos redondos
a pousar o medo e a resignação
no tampo de madeira próprio para a função.
o pulso direito afeiçoa-se ao gesto
a subir e descer ainda livre do peso
próprio da pá própria para rasgar torrões
e apartar calhaus. as botas cardadas
com rebordo de lamas já sabem de cor
o caminho onde a cova se vai afundar.
forquilha e ancinho ladeiam a enxada
e prestam-se ao ritual da escavação.
assim que esteja funda e de forma alongada
a cova vai acolher e reciclar em pós
rancores e ranço, raiva ressentimento e
as falsas esperanças esvaídas e podres.
a fechar a gala impõe-se soterrar bem
o caixão bem lacrado.
fica uma oscilação leve desnível da terra
a sinalizar o sítio onde jazem os rancores
enterrados no pó e exilados da mente.
a morte dos gestos, adiada uma vez mais
dá lugar à ternura dos gestos redondos
sem tempos, espaço nem vocação: gestos
a despropósito, bravos, sem resignação.
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maria toscano © inédito
Coimbra, Casa Verde, 5 Dez 2012
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