nos dias mais amenos suportam-se melhor.
quero dizer, controlam-se melhor ou, pelo menos, sendo menos
densas,
podem tomar-se na mão, levando devagar a mão acima e abaixo,
a avaliar-lhes
o peso e a inerente capacidade de intromissão e vidência.
já nos dias dos grandes calores são muito mais ariscas:
ficam em casa, recusam-se a aparecer na calçada sob a
torreira do sol — odeiam transpirar — e, as que começam por dar sinal de vida
são as mais pesadas: a luz veraneando por sobre as suas curvas, amorna-as e
agasta-as.
como acontece com as pessoas.
de pouco me importa o boletim meteorológico.
confesso nutrir mesmo bastante desconfiança a seu respeito.
despeito crescente desde a puberdade, essa moldura da vida
onde as curvas
são todas mais mornas e a velocidade compete com as regras
da física contemporânea — por ser uma velocidade física
imediata e, portanto,
intemporal.
os boletins meteorológicos são absurdamente ineficientes e,
até, perigosíssimos,
dado omitirem, sempre, o estado desses centrais componentes
do estado do tempo:
as palavras.
alguém sabe se o dia seguinte será propenso à rima?
alguma vez se avisa do risco de paixão súbita na previsão da
passagem de alguma?
quantas vezes se realçaram as amplitudes falantes de dada
quinzena?, a precipitação leve ao fim de algum poema?, a aproximação às áreas
de aproximação aos aeroportos de fluxos doridos e saudosos de palavras? para já
não falar do total silenciamento das palavras anunciando o fim de dia, das
frases refrescantes de madrugadas, e das superfícies frontais de criatividades
falantes à volta dos enamorados, com tendência para transformarem-se em teias
complexas de frases quentes e catatónicas.
a minha profunda indiferença pelos boletins meteorológicos
alimentou
o conhecimento de alguns mapas e movimentos naturais das
palavras.
nos dias mais amenos, suportam-se melhor.
mas, devido ao seu peso e à inerente capacidade de
intromissão e vidência,
é nos dias acalorados que emergem fogosas e resistentes
à gélida acomodação a frases feitas em ciclos de respiração
pré-treinada.
amo-as a todas, sinceramente.
entre as serôdias, as irreverentes e as implacáveis, tento
seguir o rumo da fala.
amo-as — no meu mais íntimo sentido.
.
maria toscano
Coimbra, (C)Asa Verde,
27 Agosto/ 2013.
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