O António Vilhena, após duas passagens ocasionais por mim, em Celas, parou o carro, saíu de lá de dentro e falou.
Entre várias coisas... pois sempre, com ele, a conversa vem aos borbotões e caoticamente (Vilhena, também te queria falar de... Ó Vilhena então e ... ?)
— e não, não estou, com isto a querer armar-me em conversadora/conversadeira assídua do Vilhena, nem em íntima amiga ou diária dialogante; justamente por o não ser, creio (e não rejeito, com este segundo isto ehehehe, poder vir a sê-lo) é tão caótica essa conversação —
sigo:
entre várias coisas, falou do Fernando Dacosta, que vem a Coimbra na próxima 6.ª-feira e, daí, foi-se dar... "à" Natália Correia.
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Não poderei estar com, nem conhecer, Fernando Dacosta — com pena minha, mas os voos, literalmente, levam-me para outras paragens poéticas.
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Não poderei dizer do meu tão grande desconhecimento quanto grande admiração e vibração pela/com "a Fala "da" Natália Correia.
que ainda cantei por duas vezes no Boutequim — e foram belos momentos, sim;
e
que nunca lhe consegui dizer que escrevia.
exactamente.
perguntava-me: qual pode ser o interesse "dela" numa garota como eu que nem é "de" Letras?
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hoje sorrio-me do formalismo do meu raciocínio de então, embora não me arrepelo os cabelos nem nada de parecido: agi o melhor que soube na época; e, nessa época, eu era mesmo uma "fedelha".
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mas não foi especificamente sobre estes "fait-divers" que me pus ao... ecrã.
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da conversa em torno do que distava entre a realidade e a narrativa que a Natália construía sobre si e o mundo, tão-pouco quero agora esmiuçar.
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o que me moveu a estas teclas — e há 2 dias que cá anda isto a barulhar por dentro — o que me moveu
simplesmente
foi um dos argumentos que troquei com o Vilhena
e
considero sagrado e fulcral nos baços tempos que correm.
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conta a lenda urbana que o Henri Miller, ao conhecer a Natália Correia em Lisboa, teria exclamado algo como: "e foi preciso eu vir a Lisboa para conhecer a última das Pitonisas!"
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a lenda conta; ao que parece, a vida, não.
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e o argumento é: "que importa que tenha dito, ou que não tenha dito?"
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numa visão de categorizações colete-de-forças, inquisitiva, realisto-deformativa da realidade, só isso importa.
a factualidade ganha ânimos de essência, ensejo, sonho, meta, ideia e desejo.
a factualidade — segundo Edgar Morin no seu belíssimo livro de síntese "Amor, Poesia, Sabedoria", a prosa, coloniza a vida, a esta vida de hiperprosa (sic).
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numa visão de categorizações constructivista ou dialéctica ou fenomenológica (sim, embora distintas, todas elas não directivas-coletes-de-força)
o que importa não é o que se disse/disse, não é o que foi, nem o que devia, podia, seria...
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o que foi Natália Correia? não sei, nem interessará muito.
o que não foi Natália Correia? desconheço em absoluto e continuarei a desconhecê-lo.
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o que importa
sim
é compreender-se, acolher-se, abrir-se o nosso mundo a esse rasto e lastro do impossível e do inimaginável, do a-histórico, do a-coerente (porque não incoerente) e do... e do... e do que constitui a senda do poético, da poesia, pois.
da poiesis.
do acto sendo aquilo que não foi nem seria.
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se Henri Miller proferiu aquela legenda, pouco importa.
o que
definitivamente foi decisivo
sim
foi o perdurar no nosso imaginário da lenda urbana que une duas figuras tão letradas quanto eróticas, duas vozes tão sarcásticas quanto ternas e tenras.
o que foi decisivo
e
é-o
sim, decorre da brecha que essa lenda abre
ocupa
e
fermenta:
um espaço de imaginário carente, um espaço de brilho — uma pequenina luz bruxuleante (lembro o Sena) —
uma réstea
uma amplificação poiésica em pleno cinzentismo do pequenino estado novo e do parvóneo regime de então.
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a — Natália?
c — claro que sim!
b — a última das Pitonisas?
a— mas foi mesmo, a sério?
c — não foi, não; que o que foi não importa.
a — ? !
b — ! ?
c — o que importa: É
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Natália É.
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a última das Pitonisas nesta meia-tigela de caldo-verde, água-rás e fadinho tinto.
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a última das Pitonisas no quadrante de poliemide dos yupies para a ceia plasmada frente ao plasma.
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a última das Pitonisas no semi-norte/semi-sul cardeal dos dias sem mar chorados pela Sophia.
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É.
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o que importa não é se foi, se teria sido, se poderia ter sido:
importa
sim
que Natália
É.
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por isso falamos "dela", "a" lemos e "a" esquecemos.
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sobretudo isso: porque só se precisa esquecer o que vive mexe e É.
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a bruxuleante poiesis cravando-se
inteira
na veia prosaica do nim.
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obrigada, Natália!
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maria toscano
Coimbra, 18Junho/2009
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