1
nesta pedra
assenta
a minha vida.
.
é singular, distinta
e igual às outras pedras.
.
nasceu oval, pequena
oval, alada
toda torneada de algas
inquietas asas / se fora de água
ilesas, lisas
quando vogam voam pelo uni-
verso.
.
2
nesta pedra
assentou-me
a mim, a vida.
.
num repente
o fogo em movimento
estalou a ranhura
da espera
.
passo ante passo
desbordei a galera.
.
braço até braço
encaminhei-me
do porão ao convés
guiada pela tosca lanterna.
.
nada buliu: nem vento
nem maresia
nem pérolas afogadas / nem algas
.
3
desci pelos nós
morenos nós
feitos de vidas embebidas em cordas
.
só nós. de nós sem nós.
.
segurei uma mão ao remo verde
e saltei sem me mover sobre o oceano
.
4
havia um lusco-fusco
solidário
que me deu o laço do sossego
sem vassoura, voei
rumei rasei
monstrengos batráquios e fósseis
doces
.
5
à beira-terra
uma crosta milenar
acenou-me em cruz
marcou em luz
o este.
logo o sossego abriu seu colo
em colo
deusas de branco e amarelo,
infinitas
menearam seus cabelos de doce
carmim.
latiu o bastão no recorte redondo
enquanto A Mãe
a todas nós embalava
(só nós. sem nós.)
.
6
de súbito árvores ou mãos erguidas
ao sul
chamaram-nos para o alto mar
a norte.
rodámos com as horas as saias
infindas
acertámos o tempo deste a este
pelo vermelho-azul
derramando leite
de ternas virgens doces vestais.
.
7
fechado o momento
intemporal
A Mãe libertou-me do
ainda
ovo.
.
8
deslumbrada, estremeci do não tormento
pois raízes
agora
me nasciam
indaguei com o olhar
onde fincá-las
.
barba branca
aparecida então
silenciou-me o receio e
em segredo / partiu.
.
9
nesta pedra
assento
assim
a minha vida.
.
árvores-mãos floresço
nasço à passagem
inquietas asas sopro
sou na miragem
carmins dourados levo
e anuncio se o caminho
encruzilha a caminhada
e alva branca doce terna
vestal
doou-me
livre raiz sou.
pedra.
filosofal.
.
.
.
maria toscano
Coimbra, ‘Docas’, 25 Agosto/2004
.
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