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"Amo-te muito, meu amor" *, mas
não tão pouco
Que te cosa a bainha dos bolsos ou do
anorak
Que te faça o jantar ou o almoço de
véspera
Que, paciente e dedicada, te engome
camisas ou calças.
Amo-te muito, meu amor, mas não tão
pouco
Que te espere confiantemente ingénua de
madrugada
Que te encubra perfume e odores
estranhos com o meu lábio
Que te lave o desejo alheio com um roçar
do meu seio.
Amo-te muito, meu amor, mas não tão
pouco
Que disfarce ou esqueça as mensagens
lascivas no telemóvel
Que piamente acredite em horários
extraordinários
Quando a crise corrói salários, pensões
e ordinários vencimentos.
Amo-te muito, meu amor, mas não tão
pouco
Quanto a escrava serve o colono até se
revoltar no tronco
Quanto as servas veneram o amo até se
livrarem da gleba
Quanto as mulheres da vida desejam o
cliente até à paga.
Amo-te muito, meu amor, mas não tão
pouco.
E se também reside na dimensão e na
intensidade é, sobretudo, diversa na qualidade esta emoção subtil e indizível,
tão inflamada quão intemporal.
Dito Amor, este afecto incondicionado
que tudo entrega, Incondicional e nada espera,
Que tudo dá e nada pede, ao invés dos
contratos
Armadilhados entre sala quarto um
frigorífico o fogão e
O spread do banco
e o juro europeu
e o endividamento das almas
e o evitamento do leito
e o adiamento das asas
e o enviesamento do peito
e o atordoamento dos gestos frescos e
febris de intensas formas
por sentir por abraçar e ser.
Amo-te muito, meu amor, mas não tão
pouco
Que te pusesse no lugar do capataz a
zelar a minha faxina
Se fosse reles a minha maneira de te
amar em mim.
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“Amo-te muito, meu amor, e tanto…”
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maria toscano
Coimbra, Casa Verde. 8-9 Dezembro /2013.
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