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Baseado no trabalho disponível em http://sulmoura.blogspot.pt/.

sábado, dezembro 31, 2005

asas de guarda

aves

.

nascidas para ser asa

.

***

.

aves

.

maculadas de amor

.

***

.

aves leves

.

luminosas, que alumiam

.

- basta abrires essa janela

ao teu centro

.

***

.

aves roucas de alegria

.de infância

.

- basta ouvires o pássaro

no teu peito

.

***

.

aves tontas

.dengosas de promessas

.

- olha como o teu

pulso se arrepia!

.

***

.

aves insidiosas

.de cantos profundos

.fundas

.

- basta vogares nos teus mares

.

***

.

asas novas que te envio

.repetidamente

.ofertadas

.no verso branco

.incansável

.

.

duas novas

.asas brancas do poema.

.

***

.

asas de mão na mão

.de sesta suave

.

.asas do repouso em colo

.

- repara bem na tua camisa aberta:

. ainda resido aí

. marca, colchão.

.

maria toscano

.Coimbra, 29 dEZ 2005

.

.FELIZ ANOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO - que seja NOVO

terça-feira, dezembro 27, 2005

Defensa de La Alegría - Benedetti

em época festiva

partilho este Belíssimo Poema do uruguaio Mario Benedetti

.

.

DEFENSA DE LA ALEGRÍA

..........................................a Trini

.defender la alegría como una trinchera

defenderla del escándalo y la rutina

de la miseria y de los miserables

de las ausencias transitorias

y las definitivas

.

.defender la alegría como un princípio

defenderla del pasmo y las pesadillas

de los neutrales y de los neutrones

de las dulces infamias

y los graves diagnósticos

.

.defender la alegría como una bandera

defenderla del rayo y la melancolía

de los ingenuos y de los canallas

de la retórica y los paros cardíacos

de las endemias y las academias

.

.defender la alegría como un destino

defenderla del fuego y de los bomberos

de los suicidas y de los homicidas

de las vacaciones y del agobio

de la obligación de estar alegres

.

.defender la alegría como una certeza

defenderla del óxido y la roña

de la famosa pátina del tiempo

del relente y del oportunismo

de los proxenetas de la risa

.

defender la alegría como un derecho

.defenderla de dios y del invierno

.de las mayúsculas y de la muerte

.de los apellidos y las lástimas

.del azar

.............y también de la alegría.

.

.de Preguntas al azar, Mario Benedetti

sábado, dezembro 24, 2005

Madonna

.
.
.
Salvador Dali (1904-1989)

Dali, Salvador

.
.
.
A Ascensão de Cristo (1958)

Mario Benedetti - Uruguaio

"Qué les queda por hacer a los jóvenes, en este mundo de paciencia y asco, solo grafitis, rock, escepticismo...También les queda no decir amén,no dejar que les maten el amor,recuperar el habla y la utopia,ser jóvenes sin prisa y con memoria, situarse en una historia, que es la suya,no convertirse en viejos prematuros"
.
.Mario Benedetti
.
.
.NO TE SALVES.
.
. . .No te quedes inmóvil
.al borde del camino
.no congeles el júbilo
.no quieras con desgana
.no te salves ahora
.ni nunca
. no te salves
.no te llenes de calma
.
.
.no reserves del mundo
.sólo un rincón tranquilo
.no dejes caer los párpados
.pesados como juicios
.
.
.no te quedes sin labios
.no te duermas sin sueño
.no te pienses sin sangre
.no te juzgues sin tiempo
.
.
.pero si
. pese a todo
.no puedes evitarlo
.y congelas el júbilo
.y quieres con desgana
.
.
.y te salvas ahora
.y te llenas de calma
.y reservas del mundo
.sólo un rincón tranquilo
.y dejas caer los párpados
.pesados como juicios
.y te secas sin labios
.y te duermes sin sueño
.y te piensas sin sangre
.y te juzgas sin tiempo
.y te quedas inmóvilal
.al borde del camino
.y te salvas
. entonces
.no te quedes conmigo.
.
.
.
.Mario Benedetti.
. .
.
.E . Urgente, urgente: é ouvir
.http://www.zoomarte.com/sonyarte/latino/la04.htm
. . para depois buscá-lo e lê-lo...

Gioconda Belli - Nicaraguense

No me arrepiento de nada

.

.

No me arrepiento de nada

.desde la mujer que soy,

.a veces me da por contemplar

.aquellas que pude haber sido;

.las mujeres primorosas,

.hacendosas, buenas esposas,

.dechado de virtudes,

.que deseara mi madre.

.No sé porqué

.la vida entera he pasado

.revelándome contra ellas.

.Odio sus amenazas en mi cuerpo.

.La culpa que sus vidas impecables,

.por extraño maleficio,

.me inspiran.

.Reniego de sus buenos oficios

.de los llantos a escondidas del esposo,

.del pudor de su desnudez

.bajo la planchada y almidonada ropa interior.

.Estas mujeres, sin embargo,

.se miran desde el interior de los espejos,

.levantan su dedo acusador

.y, a veces, cedo a sus miradas de reproche

.y quiero ganarme la aceptación universal.

.Ser la "niña buena",la "mujer decente"

.la Gioconda irreprochable.

.Sacarme diez en conducta

.con el partido, el estado, las amistades,

.mi familia, mis hijos y todos los demás seres

.que abundantes pueblan este mundo nuestro.

.En esta contradicción inevitable

.entre lo que debió haber sido y lo que es.

.he librado numerosas batallas mortales.

.-ellas habitando en mi queriendo ser yo misma-

.transgrediendo maternos mandamientos

.desgarro a doloridas y a trompicones

.a las mujeres internas

.que, desde la infancia, me retuercen los ojos

.porque no quepo en el molde perfecto de sus sueños,

.porque me atrevo a ser esta loca, falible,tierna y vulnerable,

.que se enamora como alma en pena

.de causas justas, hombres hermosos,

.y palabras juguetonas.

.Porque de adulta, me atreví a vivir la niñez vedada

.e hice el amor sobre escritorios

.en horas de oficina-

.y rompí lazos inviolables

.y me atreví a a gozar

.el cuerpo sano y sinuoso

.con que los genes de todos mis ancestros

.me dotaron.

.No culpo a nadie. Más bien agradezco los dones.

.No me arrepiento de nada, como dijo la Edith Piaf.

.Pero en los pozos oscuros en que me hundo

.cuando, en las mañanas, no más abrir los ojos,

.siento las lágrima pujando:

.veo a esas otras mujeres

.esperando en el vestíbulo,

.blandiendo condenas contra mi felicidad.

.Impertérritas niñas buenas me circundan

.y danzan sus canciones infantiles contra mi

.contra esta mujer

.hecha y derecha

.plena.

.esta mujer de pechos en pecho

.y caderas anchas

.que, por mi madre y contra ella,

.me gusta ser.

.

.Imperdííííííível: ler La Mujer Habitada

.

http://www.giocondabelli.com/

há-de vir um Natal... David M F

com os meus Votos de Feliz Natal
.
.
.neste Natal
.
maria toscano
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que se veja à mesa o meu lugar vazio
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que só uma voz me evoque a sós consigo
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que não viva já ninguém meu conhecido
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que nem vivo esteja um verso deste livro
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que terei de novo o Nada a sós comigo
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que nem o Natal terá qualquer sentido
.
.Há-de vir um Natal e será o primeiro
.em que o Nada retome a cor do Infinito
.
.David Mourão-Ferreira, in "Cancioneiro de Natal"

Lisbon Revisited por A. Campos em 1923

. .NÃO: Não quero nada.
.Já disse que não quero nada.
.
.Não me venham com conclusões!
.A única conclusão é morrer.
.
.
.Não me tragam estéticas!
.Não me falem em moral!
.
.
.Tirem-me daqui a metafísica!
.Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
.Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
.Das ciências, das artes, da civilização moderna!
.
.
.Que mal fiz eu aos deuses todos?
.
.
.Se têm a verdade, guardem-na!
.
.Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
.
.
.Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
.Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
.
.
.Não me macem, por amor de Deus!
.
.
.Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
.Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
.Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
.Assim, como sou, tenham paciência!
.Vão para o diabo sem mim,
.Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
.Para que havemos de ir juntos?
.
.
.Não me peguem no braço!
.Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
.Já disse que sou sozinho!
.Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
.
.
.Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
.Eterna verdade vazia e perfeita!
.Ó macio Tejo ancestral e mudo,
.Pequena verdade onde o céu se reflete!
.
.Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
.Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
.
.
.Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... .E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! . . Álvaro de Campos

pla mão de "Ernest" (GGGGGirA) :-)

Génesis
.
.De mim não falo mais :não quero nada.
.De Deus não falo:não tem outro abrigo.
.Não falarei também do mundo antigo,
.pois nasce e morre em cada madrugada.
.
.
.Nem de existir,que é a vida atraiçoada,
.para sentir o tempo andar comigo;
.nem de viver,que é liberdade errada,
.e foge todo o Amor quando o persigo.
.
.
.Por mais justiça ...-Ai quantos que eram novos
.em vâo a esperaram porque nunca a viram!
.E a eternidade...Ó transfusâo dos povos!
.
.
.Não há verdade:O mundo não a esconde.
.Tudo se vê: só se não sabe aonde.
.Mortais ou imortais,todos mentiram.
.
.
.Jorge de Sena

quarta-feira, dezembro 21, 2005

presépio

País de Origem: Portugal

. Colecção: Escultura

. Localização: Sala dos Presépios (Fundação Ricardo espírito Santo)

. Autor?

.Data: Séc. XIX (início)

. Materiais: Terracota, papel, plantas secas.

.Dimensões: Dim.: A 640 x C 842 x L 508 mm

.

.Caixa de presépio contendo, para além da Sagrada Família seis adoradores encimados por uma glória com diversos anjos tendo ao centro o Espírito Santo. A colocação do papel dourado e o cuidado colocado na presença das flores secas faz pensar que a montagem das peças deste presépio teria sido feita por uma mulher, provavelmente uma freira, sendo comuns os trabalhos deste tipo provenientes dos extintos conventos. O cromatismo das figuras e as indumentárias parecem remeter para uma peça posterior ao chamado Ciclo dos Presépios.

. www.fress.pt/port/peca_ detalhe.asp?npeca=60&l...

preeee-séééé-piossss

.
Presépio "Coração Místico" - Guatemala
.
img.terra.com.br/ i/2003/12/03/92245_ga.jpg.
.

.

Brasil

.www.revistamuseu.com.br/ upload/mg_expo_presep...

.

.

Presépio na Gruta Brasil - Século XX

.

Presépio de barro feito pela artista popular Eugênia

.Coleção Museu Casa do Pontal

.

.

Concurso de Presépios das 11 Aldeias do Algarve

.

São Brás de Alportel - 2004

. www.ccr-alg.pt/ ccr/print.php?sid=65

.

.

.

.

Cracóvia

.

www.veraoemcracovia.mundopequeno.com/ fotos/m1...

Ceia de Natal

.

.está pronta a lanterna

.a lenha e o sisal

.estão certos na casa

.a agulha e o dedal

.o ancinho repousa

.ao lado das botas

.a manta de lã

.espreguiça o tear

.e o rabo da lua não pára de espreitar.

.

.

. lisos os lençóis,

.os sonhos e o caldo

.já devem estar prestes.

.deleitada, a tenaz

.namora o picão

.os gatos, no chão,

.são garras da paz

.lá fora o estendal

.esbraceja e, a nado,

.a tua camisa

.afoga marés

.(redemoinhados

.soluços da fé).

.

.

. a saudade, ao lume

.na trempe de três,

.aloura a beleza

.com a nostalgia,

.o ramo de salsa,

.o alho a cebola

.e o ovo prà capa do bacalhau.

.as migas receiam

.ter má companhia

.e aconchegam o cabo

.da colher de pau.

.na borda de renda

.da rara toalha

.um anjo entrelaça

.om um tal bébé

.ilho de Yavé.

.arejam-se os doces

.assim que se entra

.no ar salpicado

.do azeite fritado.

.

.

.Abraços de ano

.despenteiam a arte

.da cabeleireira

.'inda dessa tarde

.e dão em segredo

.bem a dar nas vistas

.gigantes embrulhos

.pra empilhar no cimo

.do guarda-vestidos

.que só são abertos

.quando o alarido

.for de outro barulho.

.

.

.de perfil, sentadas

.à roda da mesa

.ficam as cadeiras

.arrojam-se assentos

.feitos com inventos

.e há almofadas

.que dão um aumento

.aos que mais pequenos.

.resvalam os vinhos

.pró ventre das taças

.grelam-se as jarras

.de flores bem dignas

.e a cada terrina

.compete o suporte

.com flores de azevinho.

.em fatias e nacos

.há votos de Bem

.posto em redondelas

.ricas, não singelas

.como as de Belém.

.

.

. cada guardanapo

.é um descarado:

.apalpa a toalha

.roça pelas travessas

.encosta-se a facas,

.a malgas, colheres,

.peitos das mulheres,

.às bordas dos pratos

.rola e brota em borlas

.e enrola-se aos laços

.com velas ardidas

.mas só no começo.

.

.

.crepitam as flamas

.na surpresa intensa

.dos miúdos da casa

.os outros disfarçam

.e acordam guitarras

.ou roem umas passas

.ou então esfumaçam

.o imberbe cigarro

.na casa de banho.

.

.

.à volta do fogo

.conta-se o que é ganho

.e o tudo risonho

.até que o sinal

.muda o andamento:

.mergulha-se a concha,

.abrir amplas alas

.da cozinha à sala,

.conferir os sítios

.da mesa ladear,

.(alvitra-se a quem

.vai calhar a fava

. - é sempre à menina

. gulosa da sala),

.suster no decote

.todo o descarado,

.e, uma noite no ano,

.a família ser

.hora consoada.

.

.

. maria toscano. portugalito. Palimage Editores, 2002.

http://www.palimage.pt/livro.php?livroid=pp25

Queixa das almas jovens censuradas

.

Dão-nos um lírio e um canivete

.E uma alma para ir à escola

.E um letreiro que promete

.Raízes, hastes e corola.

.

.Dão-nos um mapa imaginário

.Que tem a forma duma cidade

.Mais um relógio e um calendário

.Onde não vem a nossa idade.

.

.Dão-nos a honra de manequim

.Para dar corda à nossa ausência.

.Dão-nos o prémio de ser assim

.Sem pecado e sem inocência.

.

.Dão-nos um barco e um chapéu

.Para tirarmos o retrato.

.Dão-nos bilhetes para o céu

. Levado à cena num teatro.

.

.Penteiam-nos os crânios ermos

.Com as cabeleiras dos avós

.Para jamais nos parecermos

.Connosco quando estamos sós.

.

.Dão-nos um bolo que é a história

.Da nossa história sem enredo

.E não nos soa na memória

.Outra palavra para o medo.

.

.Temos fantasmas tão educados

.Que adormecemos no seu ombro

.Sonos vazios, despovoados

.De personagens do assombro.

.

.Dão-nos a capa do evangelho

.E um pacote de tabaco.

.Dão-nos um pente e um espelho

.Para pentearmos um macaco.

.

.Dão-nos um cravo preso à cabeça

.E uma cabeça presa à cintura

.Para que o corpo não pareça

.A forma da alma que o procura.

.

.Dão-nos um esquife feito de ferro

.Com embutidos de diamante

.Para organizar já o enterro

.Do nosso corpo mais adiante.

.

.Dão-nos um nome e um jornal,

.Um avião e um violino.

.Mas não nos dão o animal

.Que espeta os cornos no destino.

.

.Dão-nos marujos de papelão

.Com carimbo no passaporte.

.Por isso a nossa dimensão

.Não é a vida. Nem é a morte.

.

. Natália Correia. Poesia Completa. Publicações Dom Quixote, 1999

margarida cepêda

O QUE NOS DÃO
.
.
80x136 cm
.
Julho 2002
.
Óleo Sobre Tela

O CASAMENTO

.

116x124 cm

.Maio 2000

. Óleo Sobre Tela

http://www.margaridacepeda.com/pt/galeria.html

natália correia

POESIA: Ó VÉSPERA DO PRODÍGIO IV

.

. Creio nos anjos que andam pelo mundo,

.Creio na deusa com olhos de diamantes,

. Creio em amores lunares com piano ao fundo,

. Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

.

. Creio num engenho que falta mais fecundo

. De harmonizar as partes dissonantes,

. Creio que tudo é étero num segundo,

. Creio num céu futuro que houve dantes,

.

.Creio nos deuses de um astral mais puro,

.Na flor humilde que se encosta ao muro,

.Creio na carne que enfeitiça o além,

.

.Creio no incrível, nas coisas assombrosas,

.Na ocupação do mundo pelas rosas,

.Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.

.

.NATÁLIA CORREIA, Sonetos Românticos (1990).

um secreto laço...

.

.

«il y a un lien secret entre la lenteur et la mémoire»

.

.

Milan KUNDERA, La Lenteur.

do Vagar e da Memória

.neste doce

. crescente

. demente

.

.

. saboreio

. teu veio

.

.

. neste braço

. regaço

. de aço

.

. me nasço

. maria toscano, do livro «do Vagar e da Memória» Palimage Editores, 1997

http://www.palimage.pt/livro2.php?livroid=pp01

o que arde não perdura

.

o que arde não perdura consola nem aconchega

.

consome meadas inteiras de nenúfares com asas

.

rastilha dias de espera armadilhados nos ses

.

da secura do que arde

.

e, ardendo, não perdura.

.

maria toscano. de «o que arde não perdura» (2005) - no prelo

margarida cepêda

.
.
.
.
.
.
SOU,
.
.
.
.
ENTRE MIM E MIM,
.
.
.
.
O INTERVALO
.
.
.
.
.
102x121 cm
.
Dezembro 2004
.
Óleo Sobre Tela

oferta de Cristina dos Santos A.

conta-te a ti mesmo a tua própria história. E queima-a logo que a tenhas escrito!

.

Não sejas de tal forma que não possas ser também de outra maneira.

.

recorda-te do teu futuro e caminha até à tua infância!

.

E não perguntes quem és àquele que sabe a resposta, nem mesmo a essa parte de ti que sabe a resposta, porque a resposta poderia matar a intensidade da pergunta e o que se agita nessa intensidade.

.

sê tu mesmo a pergunta!

.

oferecido por: Cristina dos Santos A.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Sena e Goya

Os Fuzilamentos de 3 de Maio
.
.
Francisco de Goya (1746 - 1828)
data: 1814
104.72" X 135.82" - Museu do Prado - Madrid
.
.
. . .
.
. Carta a Meus Filhos
.
. Os Fuzilamentos de Goya
.
.
. Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
. É possível, porque tudo é possível, que ele seja
. aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
. onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
. de nada haver que não seja simples e natural.
. Um mundo em que tudo seja permitido,
. conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
. o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
. E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
. o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
. ainda quando lutemos, como devemos lutar,
. por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
. ou mais que qualquer delas uma fiel
. dedicação à honra de estar vivo.
. Um dia sabereis que mais que a humanidade
. não tem conta o número dos que pensaram assim,
. amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
. de insólito, de livre, de diferente,
. e foram sacrificados, torturados, espancados,
. e entregues hipocritamente â secular justiça,
. para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
. Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
. a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
. à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
. foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
. e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
. ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
. Às vezes, por serem de uma raça, outras
. por serem de urna classe, expiaram todos
. os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
. de haver cometido. Mas também aconteceu
. e acontece que não foram mortos.
. Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
. aniquilando mansamente, delicadamente,
. por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
. Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
. foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
. há mais de um século e que por violenta e injusta
. ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
. que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
. e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
. Apenas um episódio, um episódio breve,
. nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
. de ferro e de suor e sangue e algum sémen
. a caminho do mundo que vos sonho.
. Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
. vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.
. É isto o que mais importa - essa alegria.
. Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
. não é senão essa alegria que vem
. de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
. está menos vivo ou sofre ou morre
. para que um só de vós resista um pouco mais
. à morte que é de todos e virá.
. Que tudo isto sabereis serenamente,
. sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
. e sobretudo sem desapego ou indiferença,
. ardentemente espero. Tanto sangue,
. tanta dor, tanta angústia, um dia
. - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
. não hão-de ser em vão. Confesso que
. muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
. de opressão e crueldade, hesito por momentos
. e uma amargura me submerge inconsolável.
. Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
. quem ressuscita esses milhões, quem restitui
. não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
. Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
. aquele instante que não viveram, aquele objecto
. que não fruíram, aquele gesto
. de amor, que fariam «amanhã».
. E, por isso, o mesmo mundo que criemos
. nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
. que não é nossa, que nos é cedida
. para a guardarmos respeitosamente
. em memória do sangue que nos corre nas veias,
. da nossa carne que foi outra, do amor que
. outros não amaram porque lho roubaram.
.
.
. . Jorge de Sena (1919 - 1978)

quinta-feira, dezembro 15, 2005

a "madre" da casa da avó... por Graça Capinha

A Apresentação do livro pela Prof.ª Doutora Graça Capinha,
pode consultar-se (páginas 149-152:  aqui )
.
                                                                                                                                             
.
a madre da casa da avó
.
                                                                       

havia um rasto de oliveiras

no manto estonteante

campo aberto

jorrado torrado a eito

forro de cortiça e azeitonas

padrão de oiros

campo pão

esbugalhado nos olhos

de bestas, mulas morenas

lentas.

cheiro a chão.

campo maior

do pão.

.

partiam-nos talhadas de sabor

ternuras doces verdes e vermelhas

que secavam no papel pelo ano

.

à madre da casa da avó

agarram-se as coisas da memória:

dizer-te desse cheiro que havia

um rasto de oliveiras

e restolho

manto

estonteante manto

campo jorrado, torrado a eito

forro de cortiças e papoilas

pão esbugalhado nos punhos

de bestas

mulos à jorna

cheiro a fome do pão.

e a madre

castanha

suspira

eterna

impotente

pelos choros que não mais

- febres de incansável

pouca idade

birras de sestas enganadas

a inventar monstros

príncipes

rostos

formas aflitas nas gretas da parede

branco eterno, antigo

resguardado do abismo

pela madre,

castanho muito,

madeira da memória dessa casa

à mesa

partiam-nos talhadas

barcas guardadoras da magia

da família

ternuras doces

vermelhas, verdes

sementes secas

na varanda ou no sobrado

que apuravam no papel

ano adentro

até à hora de provar

a melancia

brinde da escola certinha

(lindas meninas!)

merecida

- Estado Novo

meninas lindas -

.

na madre da casa da avó

vejo:

o penteador pelos ombros

a mão certa

no enrolar do rolo

o invisível gancho habilidoso

outro e outro e outro

e a travessa

castanha

soberana

estavas no quintal

sentada

banquinho baixo

as brancas, soltas, roçavam

as pontas do avental

e, à volta, um rodopio

de palavras

que amestrava o nosso

aprender a casa

lida

dia a dia

milagres, sabores

tachos ao lume

milagres de milagres

embebedados

embebedando, o vinagre

e o alho, de carnes

de esturgido com coentros

ou sopas.

ovo escalfado.

mãos

descascar favas

ervilhinhas

estalinhos linhos linhos

rebuliço, no alguidar,

das bolinhas

lavar

lavar, ar

.

milagres, sabores

pão esbugalhando olhos

na madre da casa

da avó

memórias

talhadas

de campo aberto

talhadas, infância, acontecidas.

.

maria toscano

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. a madre da casa da avó / os nomes infinitos do ser, Pé de Página Editores, 2002

Apresentação no Café Santa-Cruz - Coimbra, 2002.

já de abalada? ande cá! corra a cuartina de riscas e sente-se aí no mocho (no canapé? é melhor nã, nã seja que as preguetas lhe dêem cabo da roupa).
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faz calôrê nã? é tempo dele! no cântaro hai água fresquinha! e se quiser entalar alguma coisaaaa... a asada das azeitonas está chêinha, no cesto hai bobinha e papo-secos (com essa chôriça... ou com o quêjo de cabra, iiiisso!, nessa seladêra de esmalte!);
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chegue-se à mesa! - cuidado não lhe rebole a melancia para cima dos dedos do péi... assim... - entã nã se está melhórê?
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nã, nã, agora nã vai máinada! estou a guardar-me pra logo... ora na houvera de sêri! ah! já lhe dê o chêro! pois é: alhos e coentros e um nadica de vinagrê... vem aí do alguidar de barro... sim, sã nas carnes prá cêa.
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como nã sê o que o trouxe cá, forastêro, ‘stêja nesta sulmouradia como à da sua: pode ir mirando os links ("do monte"; "olivais..."; "deste planAlto..."; estas é que são...") os montes de que gostamos; pode ir vendo os posts por data ou esprêtando as nossas etiquêtas
("portados"); ou pode ir passando os olhos só pelos mais recentes.
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ah! repare lá que por estes lados nã temos o hábito de editarê todos os dias - não é um blogue-diário, 'tá a vêri?; pensámo-lo antes como sendo uma espécie de blogue-testemunho das vozes do Sul (o de cá e os Suis todos); mas temos ainda muito qu'arengar... vamos lá chegando, n'éi? devagarê, que o sol quêma!
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