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enquanto não chegas viro a fatia do
pão saloio já com dois dias
e espero pela função escorreita da
moderna torradeira eléctrica.
se soubesse que aí estavas por perto
até punha já as tuas torradas, duas,
a fazer — não muito queimadas nem
muito alouradas: bem torradas, portanto.
sim, é verdade: não são horas de
fazer torradas!
o cheiro enfia-se pela chaminé e vai
parar ao andar de cima,
o movimento na casa, com mudança de
divisão e de luzes, perturba
o ecológico e quântico sono das
fiéis cadelas
e ainda lhes provoca gula, pecado
sempre associado nos entes caninos
à representação manipuladora da fome
sob toda a forma de trejeitos dos
olhos dos beiços das orelhas
e, mesmo, de um chiar
pseudo-uivante, acertado
ao gradual deslizar na redução da
distância face ao dono — no caso, à dona —
e da sempre, tão proibida quão
inesperada, pata pousada no colo,
ameaça certeira do salto em duas
patas, caso a intervenção da autoridade
se adie ou negligencie.
mas hoje está tudo calmo, por aqui:
não te preocupes que os vizinhos
não serão despertados a meio da
madrugada com ladradelas
nem uivos manhosos de cadelas
mimadas como se prezam de ser os animais urbanos.
tudo isto enquanto fazia as
torradas.
sim, fazia: já terminei de virar as
duas fatias do pão saloio com dois dias de dureza
e a moderna torradeira eléctrica
portou-se à altura.
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o que não se inventa quando o virar
das páginas de um livro já não cala a saudade:
virar torradas? francamente!
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© maria toscano. [inédito]
Coimbra. (C)Asa Verde. 28 Julho / 2014.
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