.
tirei a vida toda, para me dedicar
a aprendê-la,
surpreendentemente devagar
de todas as formas que me apareça e se me dê
pulsante, cativante — viva —
apenas com a condição de, em contrapartida,
me tornar mais livre cintilante e límpida
através de cada passo onda verso olhar abraço.
tirei a vida inteira para viver.
em cada galho pouso-me um segundo
em cada portado repouso do sono
em cada peitoril apoio o enquanto
e, em cada átrio e pátio, as brancas enseadas das casas
acolho vento e marés. a rebentação de sóis e ondas.
tirei a vida toda a madrugada
gigante monção aliada dos meus dias.
quando te perco há um silvo de coruja insistente
a persistir na loucura de que te devo procurar
a persistir no recado de que em ti devo persistir.
mas tu morres-me sempre, meu amor.
morres-me de racismo
na ponta de uma navalha skin à porta de um concerto punk-rock.
morres-me de sol
no fim de tarde encandeando o volante até a um tronco de árvores.
morres-me de ausências
marinheiro dedicado ao mar de guerra parado.
morres-me de álcool
embebido nas memórias nos gestos e nas palavras de teu pai.
morres-me de arrogância
narciso mentiroso entre a esposa enganada e os filhos criados.
morres-me de dor política, de raiva infante e fervente.
morres-me de juvenis
olhar e gesto respeitosos curiosos que ainda não consigo receber.
morres-me de frases
concisas perfeitas e doridas,
com as quais teci muito do xaile branco onde respiro.
morres-me de inércia ou sofreguidão
de apatia ou de veloz passagem
de desejo comum e fogoso
de íman raro como de reconhecimento
de espanto ou de reencontro
de ardor ou de frescura
morres-me, amor, nas duras horas vividas
a persistir na loucura de que devo procurar-te
a persistir no recado de que devo persistir em ti.
tirei a vida inteira para viver.
em cada galho pouso-me um segundo
em cada portado repouso do sono
em cada peitoril apoio o enquanto
e, em cada átrio e pátio, as enseadas brancas das casas
acolho vento e marés. a rebentação de ondas e sóis.
tirei a vida toda, meu amor, para me dedicar
a aprendê-la, surpreendentemente devagar.
tirei a madrugada e o amanhecer da vida toda
— essa gigante monção aliada dos meus dias —
até que o melro negro me apareça e se me dê
pulsante, cativante — vivo —
apenas com a condição de, em contrapartida,
— e se ainda não se notou, passo a escrevê-lo —
me tornar mais livre cintilante e límpida
através de cada passo onda verso olhar abraço.
.
maria toscano, ©
Coimbra, Casa Verde, 30-31 Maio / 2013.
Sem comentários:
Enviar um comentário