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enquanto Amigo se entrega à guitarra clássica de acordes flamencos
sinto uma profunda emoção sem nome, inédita ao mesmo tempo que ancestral.
os meus dedos desenham vazios no teclado, vazios transpostos para o écrã de luz
[ em letrinhas.
os meus dedos ficam aquém da destreza bela
do deslizar
dos dedos de Amigo.
as minhas mãos
— essas de que tanto tenho escrito pois, sendo minhas,
contêm em si mesmas as primevas artes de benção, afago e colo —
as minhas mãos de mulher, pequenas e tão intensas quanto suaves e mágicas, ressentem as cordas de aço, a madeira e o fluxo de ar.
Amigo, de seu nome Vicente, avança na cantata, seja ela bullería ou alegría ou
[ outro modo
do sul fazer história ritmada, requebrada, rasgada no mais fundo do coração
ao rubro, dos corações atados pelas ditaduras da ordem pré-feita, não perfeita
corações sangrantes também nos passos de quem saiba bater o salto, arrastar o
passo, arrasar a poeira da entrada da tasca, para quem saiba alçar os folhos,
bandear as ancas de desejo seriamente desenhado e vivido
pois tudo o que vem do fogo divino deve ser fogosamente amado e servido,
sublimemente servido sem servidões vis: só amorosas. servidões.
para quem saiba deslizar os dedos pelo vazio
para quem saiba alçar os dedos no encalce das notas certas
para quem saiba tanger a madeira o brilho a pele — para quem saiba,
se serve essa profunda emoção sem nome, inédita ao mesmo tempo que ancestral.
pelas minhas mãos de mulher, a refrega do sul.
nas minhas mãos de mulher —pequenas, intensas quanto suaves,pois mágicas — é
nas minhas mãos que se ressentem as cordas de aço,
o dorso de madeira e o fluxo de ares profundos que inspiras, Amigo,
agora outro, não o Vicente mas tu, meu Amigo de idas e vindas intermináveis há
[ décadas.
importa dizer desta profunda emoção sem nome, inédita ao mesmo tempo que
[ ancestral
e de que nenhum de nós tem medo nem vergonha de falar, enfrentar, sentir.
o medo das emoções amassa os corações.
nenhum brinquedo de papel sobrevive ao rebulhão dos sentimentos.
os braços fechados em perímetros prévios morrem sufocados .
enquanto os dedos de Vicente vibram na noite
olhar-te fundo, no passar destes tempos lentos,
é um privilégio sem cotação nem preço.
abraço os acordes.
solto o travessão.
e — Olé! — já sou a de mantilha de seda
e sapato negro no bamboleio ao sul
ao som da voz e das palmas
no encalce das notas certas
a tanger os brilhos da pele —
pois tudo o que vem do fogo divino
só fogosamente é amado e servido,
sublimemente servido sem servidões vis senão
as servidões amorosas
pois quem sabe
serve essa profunda emoção sem nome,
inédita ao mesmo tempo que ancestral.
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maria toscano
Coimbra. (C)Asa Verde, 15 a 17 Junho / 2013.
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