os Rios vieram à
cidade de visita, em alegre passeio.
chegaram pelo
leito do rio
mestre em cursos e
mapas de navegação.
pelos dedos do rio
central vieram
até escolherem,
cada um, o seu caminho
o seu rumo novo a
desbravar por entre as casas.
as escolhas eram
inéditas e múltiplas:
—
nunca
os rios, antes, tinham tido a opção
de alagar zonas calcetadas e
empedradas
nem, mesmo, barradas de
alcatrão e cimento,
zonas urbanas citadinas e manuais.
os rios conheciam
muitos percursos
pois estes eram
rios bem viajados:
sabiam de leitos
pantanosos em pausa no estio,
ruas de areia e
pedra se, na fatal secura
fundos aguados ou
esverdeados
se transfiguravam
em passeios pedonais entre margens.
os rios conheciam as
margens curtas
e as generosas mas,
também, alagadas.
os rios conheciam
centros históricos
nivelados para
acolherem mais águas,
baixios de
herdades, encostas vãs,
ocos muros e
pontões instáveis. furos
de poços
disfarçados por entre os campos,
docas abandonadas na
crise da dignidade operária,
marginais
burguesas invadidas de espuma e sal
onde os rios às
vezes marcavam encontro com o mar.
mas, ruas de
pedrinhas ou cimento, inteirinhas
ruas feitas à mão,
do passeio ao bueiro,
ruas urbanas
interiores a apartamentos
escolas, zonas de
lazer e gratidão
ah, essas eram
escolhas, até então, inéditas
que os rios dessa
primeira vez estrearam,
que os rios
aceitaram como rito e desafio.
foi assim que os
rios vieram amigáveis
de visita e em
passeio alegre à cidade.
ao primeiro escoar
dos seus passos
as casas deitaram
olhares distraídos
acalmando o
nervosismo dos próprios rios.
depois, os caudais
avolumaram-se
e, as casas,
inquietas, franziram o sobrolho
que é como quem
diz, recolheram portadas e portas,
deram voltas a
ferrolhos e fechaduras
e puseram-se, à
espreita, detrás das persianas
estrategicamente
descidas a três quartos.
os rios, novos nas
lides urbanas
confiaram nesses
sinais como acenos
e gestos de
confirmação para avançarem
em segurança para
todos, casas e rios.
só que o que
parece nem sempre é e onde os rios
leram confiança dádiva
generosidade e integração
as casas tratavam
de erguer barreiras
desconfiança, ao
mesmo tempo que, entre si, emitiam
mensagens de medo
disfarçadas de protecção
mensagens de medo
cobarde sob o nobre argumento
de estarem a ser
minadas na sua supremacia
ante a realidade
inteira: floral, faunal,
líquida, gasosa,
térrea, enfim: natura viva.
escusado será
dizer de equipas e batalhões
de especialistas
mobilizados pelas casas:
— domadores do fogo e de inundações.
experts em assaltos a cofres e caixas-forte.
mergulhadores de gélidos negros e limpos mares
familiarizados com a veneta bipolar das marés.
ninjas atléticos rapidíssimos em fatos lustrados.
duetos de agentes da autoridade (qual?) à paisana
que ao passar, de tão perfeitos, passavam por camaleões.
para além de funcionários endividados a pato-bravos
munícipes gestores presidentes de Junta ou Juntas
fiéis cães-de-fila de quem manda até que mude
e se virem, fidelidade e focinhos, para o novo amo —.
escusado será
dizer e continuar
a enunciar o caos
instalado nas Cidades
não pela vocação
de tais equipas ou batalhões
mas porque o
alerta não tinha cabimento
e, como se sabe,
quando se enfrenta a uma força da ordem
com um movimento
de forças não agressivo
o paradoxo
instala-se nas forças treinadas para a desordem:
a reacção de não
reacção é inusitada
e, por regra
comunicativa, bloqueia a reacção treinada.
os Rios que
visitavam as Cidades
em alegre passeio
de descoberta
e expansão de suas
habilidades
sentaram-se,
tristes — muito — pela incompreensão
de casas e suas
forças treinadas para a desordem.
e, sentados pelas
Praças Largos e Esquinas das ruas
os Rios desataram
a chorar, desconsolados.
só então os
visitados perceberam como a visita era amigável.
mas já era tarde
pois a subida das lágrimas
inundava carpetes,
móveis, casas e corações.
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maria toscano ©
Coimbra, Pastelaria Tosta Rica, 17 Fevereiro/ 2014.
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