o vácuo. o onde nada
ocupe ou pouse.
o arco imaginário
entre as duas palmas das mãos
erguidas ao alto na
esperança da meada.
para dobar a vida há
que alcançar o vazio
há que tecer o nada
total, o vácuo de linhas
o vão entre o que é,
o que não é e será
o vão entre a
vibração anterior e aquela a eleger
a escolher — fibra e
cor da vida por fazer.
para dobar a vida há
que alcançar tudo
o que o vazio abrange
até ao horizonte sem fim.
esvaziar. depurar.
amansar. saborear
os ácidos acres e doces. sentir o rigor
o afago o deslaço o
adeus a queda.
assumir o total vácuo
onde há nada
tecer as linhas até
entretecer o nada
— estes o
preparativos dos lavores da vida.
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Figueira da Foz. Café ‘Praça 18’. 1 Dez. / 2014.
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2.
para dobar a vida há
que abrir todas as coisas
até ao ponto onde se
alojam fel sangue e mel
onde se afagam versos
e ausências de gestos
onde afogam gestos e
bravura de versos
onde se abrigam
braços no reverso de abraços.
há que abrir ao meio
todos os meios
desdobrar conteúdos
opacos inacessíveis
ou distantes da
batida do coração.
para dobar a vida há
que aproximar
os arcos do triunfo e
da consolação.
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Figueira da Foz. Casa Havanesa. 13 Dez. / 2014.
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3.
dobar a vida,
aprender
a ser estuário,
horizonte.
dobar a vida
na meada enleada de
fios
aprender que a trama
é infinita
na casa esférica
tecida de terra e mar.
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Figueira da Foz. ‘Tapas Bar’. 23 Nov. / 2014. // Águeda. ‘Café. Restaurante
Gambrinos’. 30 Dez. / 2014.
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4.
dobar a vida é mester
sinuoso
ofício ténue de alisar rugas
alisar linhas de
meadas rosto mãos
domar-lhes curvaturas
sinais
borbotos, pontas
desfiadas, nós.
dobar a vida, sendo
acção de degelo,
exige à pele
resistência ou amor ao frio
habituação a esses
cristais cortantes
coados, nas
minúsculas gotas, pelo curto sol.
dobar a vida, sendo
acção de degelo, exige
mais do que
habituação: dedicação
à cultura e modo de
vida do fri
só pode desfazer nós
quem os saiba dar.
a todo o trabalho de
desfazer compete o ofício prévio da laboração
a ter de novo lugar após
a tarefa intermediária.
é que a acção
cumpre-se, sempre, em 3 gestos:
desde a 1.ª criação
impulsiva,
à criação gerada
por desbaste, degelo
ou pelo dobar.
dobar a vida é mester
sinuoso.
ofício ténue de
moveres circulares
amplificando o ponto
inicial
com voltas de fios
sobrepostos
— moveres a que
correspondem outros
gestos circulares e
paralelos
das mãos sustendo a
meada-obra
a meada-criação e
obra a unir
/a margem de erva,
pastos, currais, de guizos de orientação, cães de guarda
do cajado tão fundo
como a memória do pastor enraizado no monte
/à outra margem de
luvas, camisolas
cachecóis, gorros
xailes e mantinhas
/as duas margens por
entre as quais corre a verdade da vida.
dobar a vida é aliar
a meada
— mediação entre pastagem e aconchego —
ao novelo de tecer fibra modelo e cor.
dobar a vida é o gesto segundo
o intermédio movimento
entre meada e malha ou fio tecido.
dobar a vida
aliar meada a novelo
é habitar o vazio, o
nada, o vácuo de linhas,
habitar a meada para
devir novelo
para devir a promessa
de teia e trama infinitas
— a casa redonda
tecida por mãos aos pares
ou o
aconchego,
quando
o frio chega à casa de terra e mar.
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Águeda. ‘Café. Restaurante Gambrinos’. 30 Dez. / 2014.
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5.
dobar a vida é uma custosa
perícia
alcançada por mãos
laboriosas suaves
mãos calosas ou
rugosas. firmes
mãos laboriosas
ousadas insatisfeitas,
mãos esmeradas com
terraços e precipícios
e corrimões escadas
passeios e passadeiras
de peões.
mãos de peões e ruas
pedonais.
mãos de fechaduras
portas e ombreiras seguras.
mãos de embalos e
colos inesperados
a meio de um filme,
no restaurante, no shopping center.
mãos de resguardo e
da pausa acolhida em silêncio
como paciente e
silenciosa é a perícia de dobar a vida.
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Figueira da Foz. ‘Nau. Pastelaria e Restaurante’. 31 Jan. / 2015.
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6.